Nessa teoria, embora não haja a postulação de uma substância não-física, a idéia é mostrar que a vida mental é dotada de propriedades que não podem ser explicadas pelo vocabulário da neurociência. Isso porque a mente envolve estados qualitativos acessíveis somente de forma introspectiva, do ponto de vista de quem tem a experiência. Vamos considerar a seguinte situação, inspirada num exemplo fornecido por John Heil: no interior da mata atlântica, uma árvore cai ao ser atingida por um raio. Poderíamos perguntar o seguinte: será que o impacto da árvore ao se chocar com o solo produz som, mesmo se não houver ninguém para ouvi-lo? Uma primeira resposta parece ser, obviamente, afirmativa. Afinal, seria muito estranho dizer que um evento físico como a propagação de ondas sonoras no ar dependa, para sua existência, de seres com capacidade de audição. Quer tenha ou não pessoas perto do evento, isso não altera o fato objetivo de que o impacto gera o som.
Entretanto, suponhamos que com o termo “som” alguém queira referir-se não ao “impacto de ondas no ar”, passíveis de ser mensuradas objetivamente, mas à “experiência pessoal de ouvir um som como o estalar de uma árvore que cai no solo”. Neste segundo sentido, seu modo especial de existência depende de um ser que o perceba. Vejamos.
Seres humanos possuem condições específicas de audição. Somos sensíveis a determinadas frequências sonoras e insensíveis a outras. Todo o aparato envolvido no processo auditivo nos permite ouvir da forma particular como o fazemos e de forma diferente de outras espécies. Os dualistas de propriedade afirmam então que, sem a experiência auditiva gerada por esse aparato específico, a idéia mesma de som enquanto captado pelo ser humano seria vazia.
O que está em jogo nesse contexto é a diferença entre o pólo da objetividade (mundo) e o pólo da subjetividade (mente). É certamente possível medir e observar as reações dos sujeitos ao som subjetivamente experimentado. Por meio de neuro-imagens, podemos observar as áreas cerebrais estimuladas, que tipo de relação surge entre elas e assim por diante. Por outro lado, não podemos, ao menos do mesmo modo, observar o caráter qualitativo da experiência – o que é para um sujeito experimentar um som não parece simplesmente acessível a outrem. E o interessante é que a descrição do comportamento, ou a descrição minuciosa sobre a seqüência de eventos físicos no cérebro quando alguém escuta o som, não capacita essa pessoa que descreve a ter uma experiência subjetiva com o som. Thomas Nagel, por exemplo, afirma que alguém poderia ser capaz de descrever o que ocorre no cérebro quando comemos um chocolate, sem saber o que é vivenciar essa experiência, ou seja, sem sentir o gosto do chocolate. (Ver, para comentários e bibliografia, a Orientação Pedagógica: A posição monista. Avaliação critica).
Em resumo, o dualismo de propriedade afirma que, embora os fenômenos mentais sejam causados pelo cérebro, tais fenômenos possuem um modo especial de existência. Ou seja, eles são dependentes do modo como os acessamos, a saber, de maneira introspectiva. Nesse sentido, eles não são acessíveis da perspectiva objetiva da neurociência.
A posição defendida aqui não é mais um dualismo substancial (existência de uma alma independente do corpo), mas sim a afirmação da idéia de que o mental é diferente do cerebral e não pode ser reduzido a ele.
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