A sapiência.
A sapiência, nas artes, atribui-se àqueles que as exercem com perfeição; ou seja, um artesão bem sucedido, dizemos ser sapiente em sua arte de fazer artesanatos. Portanto sapiência é a linguagem corrente que se usa a quem alcança a perfeição na arte ou na ciência.
O sapiente deve saber não só aquilo que decorre dos princípios, más também a respeito dos princípios de conhecer o verdadeiro. Logo, a sapiência será intelecto e ciência; e estado, por assim dizer, à frente das outras, será a ciência das mais honrosas coisas. Portanto é a ciência das coisas divinas, ou filosofia primeira, ou, mais simplesmente, a filosofia.
Diferença entre a sapiência e sabedoria.
Aquele que nas circunstancias particulares (lugar muito atormentado de variantes); em substância, a sabedoria tem por objeto o homem; a sapiência, o nous e a ciência; a sabedoria, o que muda; a sapiência, o que não muda; uma visa ao particular; a outra, ao universal; uma é prática, a outra teórica.
Por exemplo, a política é uma sabedoria em geral: não é única, sempre, porque o bem a que mira não é único para todos. Ao invés, a sapiência é sempre única (ciência do real em si mesmo e do divino).
Alguns animais podem ser chamados de sábios, pois, demonstra ter cuidado com a própria vida. É por igual e evidente que a sapiência e a política não podem ser a mesma coisa: porque, se quiséssemos chamar sapiência àquela que versa acerca das coisas a nós convenientes, haveria muitas sapiências, não apenas só uma para bem de todos os seres viventes, porém uma diferente para cada um; se não, existiria também uma única medicina para todos os seres.
Por isso um Anaxágoras, um Tales, e outros como eles se chamam sapientes, mas, não sábios, ao vê-los ignorar as coisas convenientes a si mesmos, embora depois se diga que sabem coisas extraordinárias, maravilhosas, difíceis e sobre-humanas, porem inúteis, porque eles não buscam os bens humanos.
A razão é que a experiência é conhecimento dos particulares, e a arte, dos universais: ora, todos as ações versam, acerca do particular. A sabedoria deve saber mais do particular, porque a ação versa sempre os particulares. Por isso, distinguir a sabedoria como virtude meramente racional, daquela que se mostra na ação concreta. A primeira, idêntica à Ética (entendida no significado escolástico) é uma ciência prática no sentido de que dá normas ou leis gerais para conduzir o homem à felicidade.
O jovem não se adapta a ética, em quanto não tenha formado o próprio caráter moral, sua experiência de vida. Segundo Aristóteles não se trata de ciência, mas de formação da consciência, não de ensinamentos, mas de desenvolvimento autônomo do espírito.
Dificuldades a cerca do valor prático e moral das virtudes dianoéticas.
Se a virtude é um hábito que se adquire com a educação, que necessidade há da phronesis? Se alguém não tem ainda o hábito virtuoso, procure um educador, assim como, quando está doente, se dirige ao médico. Estudar a ética para se tornar bom, é como estudar medicina para curar-se. Portanto se a ética produz a bondade, sem duvida é a primeira das ciências.
A natureza racional do ato moral.
Em primeiro lugar antes de tudo, dizemos que, dado também que nem uma virtude nem outra produza nada, devem elas ser desejadas por si mesmas, precisamente em quanto à virtude, uma de uma parte da alma e outra da outra.
Em segundo lugar, não é verdade que não produzam, não já como a ciência medica, mas como a sanidade produz a saúde; assim a sapiência produz a felicidade, porque, sendo parte da virtude inteira, pois sendo possuída e posta em pratica torna o homem feliz.
Além disso, toda ação é perfeita quando conforme a sabedoria e à virtude ética.
Em terceiro lugar, a virtude ética e a dianoética se condicionam reciprocamente, porque uma faz bem ao fim, e com este a escolha dos meios e o propósito (que é obra da dianoia); a outra, derivando do nous o critério de juízo e a norma das ações (o justo meio), dar valor racional ao ato moral.
Se o valor moral da atividade humana estivesse já demonstrado, poderíamos dizer que Aristóteles resolve o problema socrático deste modo: phronesis e virtude ética formam como uma síntese à priori: a phronesis sem virtude ética é vazia, esta sem aquela é cega; constitui a forma universal, esta é a matéria sensível do nosso querer.
Portanto não é possível ser bom, propriamente, sem sabedoria, nem sábio sem virtude ética.
Desta maneira se poderia desfazer também a objeção daqueles que sustentaram estarem as virtudes separadas entre si, porque um mesmo homem não é, por natureza, inclinado propíciamente em grau igual, a todas as virtudes naturais, mas não com aquelas por que um homem é absolutamente chamado bom: porque estas se acordam todas com a sabedoria, que é uma só.
Mas se, igualmente, a sabedoria não fosse prática, evidentemente se teria necessidade dela em quanto à virtude de uma parte da alma racional; e não haverá retidão de propósito, e aquela nos faz agir em vista do fim.
Mas nem por isso ela é superior a sapiência, nem a parte superior da alma: assim, como tão pouco a medicina é superior a saúde, porque não se serve dela, mas olha como se produzem. De modo que não lhe faz prescrições a ela, mas para consegui-la. Seria como se alguém descesse que a política dá ordens aos deuses, porque governa tudo o que se acha na cidade.
Em torno do prazer e da dor gira todo hábito ético. A própria beatitude não parece poder existir sem o prazer.
Das opiniões correntes cerca do prazer, as mais notáveis são as que negam que o prazer seja um bem. Ou então admitem que só alguns prazeres sejam bons. Ou ainda concedem, sim, que todo prazer seja um bem, mas sustentam que nenhum prazer seja um sumo bem. O prazer – dizem: é das coisas que se geram, mas estas são necessariamente imperfeitas e incompletas. O temperamento foge aos prazeres; o próprio sábio procura não o prazer, mas antes aquilo que não é doloroso, pela razão de ser um estorvo à sabedoria e à vida racional, como mostra o fato de que ninguém pode pensar nada quanto imerso nele.
Ao discurso da virtude pertence também o exame daquela forma de relação entre os homens que se chama, com termos gerais, amizade, englobando nela todos os sentimentos de afeto que unem um homem a outro.
São três os objetos dignos de serem amados: o bem, o agradável e o útil; três são as espécies de amizade: a amizade de virtude, de prazer, de utilidade. Mas estas três amizades não velem igualmente: aquele que é amado por interesse ou por prazer, não é amável em si ou por si, mas é amável por acidente, não é procurado por outro motivo senão pelo o útil ou pelo prazer que pode dar. A amizade de prazer é própria dos jovens, que não podem ainda compreender outras. A amizade de virtude é a verdadeira amizade, a amizade por excelência, pela qual o amigo virtuoso é amável em si e por si: ele não é amado pelo prazer de sua companhia, ou pela utilidade que dele pode emanar, mas pela própria virtude que amamos nele. Estas amizades contem em si também as outras duas: pois o amigo bom e honesto é, ao mesmo tempo, um amigo útil e agradável. Antes, a amizade de prazer e a de interesse se chamam amizade impropriamente, só porque semelham a verdadeira amizade, afeiçoando-lhe imperfeitamente um só aspecto secundário, o do prazer ou do interesse.
O fundamento necessário da amizade é a comunidade. Desta se pode distinguir três espécies: a que tem por fim um interesse comum, como entre companheiros de viagem, ou entre os membros de uma tribo, ou entre os cidadãos de um estado; a domestica que tem o duplo intuito da vida; e a terceira, entre os companheiros, que não tem outro fim fora dela.
A política, que abrange todas as outras; a familiar, que abarca o amor paterno e materno, o amor conjugal, filial, fraterno; a amizade, propriamente dita, entre duas pessoas.
Intimamente ligada com a amizade está à justiça. Ambas sobrevêm onde há comunidade de pessoas, de modo que existem tantas espécies de justiça quantas de amizade. Abas variam segundo a relação das pessoas, não sendo iguais entre pai e filho, entre irmão, entre concidadãos.
Portanto só a virtude torna possível e durável a amizade, porque só o homem virtuoso é capaz de amar os outros. E a si mesmo.
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