quarta-feira, 26 de maio de 2010

FREUD E O INCONSCIENTE

O conceito de inconsciente introduzido por Freud baseia-se em uma realidade psíquica, característica dos processos inconscientes. É preciso diferenciar inconsciente, sem consciência, de inconsciente, conforme elaborado por Freud, que diz respeito a uma instancia psíquica basilar na constituição da personalidade.

Freud procurou explicar o operacional do inconsciente e propôs uma estrutura particular. Dividiu-o em três partes : Id, Superego e Ego – estabelecendo uma nova teoria.

Quando o Ego se submete ao id, torna-se imoral e destrutivo; ao se submeter ao superego, enlouquece de desespero, pois viverá numa insatisfação insuportável; se não se submeter ao mundo, será destruído por ele.

Freud estava especialmente interessado na dinâmica destas três partes da mente. Argumentou que essa relação é influenciada por fatores ou energias inatas, que chamou de pulsões. Descreveu duas pulsões antagônicas: Eros, uma pulsão sexual com tendência à preservação da vida, e Tanatos, a pulsão da morte. Esta última representa uma moção agressiva, apesar de às vezes se resolver em uma pulsão que nos induz a voltar a um estado de calma, principio de nirvana ou não existência.

O Ego equilibra nossas necessidades primitivas e nossas crenças éticas e morais. É uma instância na qual se inclui a consciência. Um eu saudável proporciona a habilidade para adaptar-se à realidade e interagir com o mundo exterior de uma maneira que seja cômoda para o Id e o Superego; obedece à necessidade de encontrar objetos que possam satisfazer ao Id sem Transgredir as exigências do superego. É a parte mais superficial do indivíduo.

O Superego, a parte que contra – age ao Id, representa os pensamentos morais e éticos. É inconsciente, é a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao Id, impedindo-o de satisfazer plenamente os seus instintos e desejos. É a repressão, particularmente a repressão sexual. Manifesta-se à consciência indiretamente, sob forma moral, como um conjunto de interdições e deveres, e por meio da educação, pela produção do “eu ideal”, isto é, da pessoa moral, boa e virtuosa.

O Id representa os processos primitivos e constitui o motor do pensamento e do comportamento humano. Contém nossos instintos, pensamentos e desejos inconscientes de caráter sexual e perverso, regidos pelo principio do prazer, é a libido. É o reservatório de energia psíquica que comporta nossas pulsões.

Teoria do Conhecimento

CONHECIMENTO: Um tema para muitas discussões

Desde a Antiguidade grega, quase todos os filósofos se preocupavam com o problema do conhecimento. Problema que envolve questões básicas como:

· O que é conhecimento?

· Qual é o fundamento do conhecimento?

· É possível o conhecimento verdadeiro?

Todas essas questões têm sido tratadas por uma disciplina filosófica que costuma ser designada por diversos nomes: teoria do conhecimento, gnosiologia, crítica do conhecimento ou epistemologia. Portanto, utilizaremos à denominação teoria do conhecimento.

Em que consiste, então, a teoria do conhecimento?

“A teoria do conhecimento pode ser definida como a investigação acerca das condições do conhecimento verdadeiro". Neste sentido podemos dizer que existem tantas teorias do conhecimento quantos foram os filósofos que se preocuparam com o problema, pois é impossível constatar uma coincidência total de concepções mesmo entre filósofos que habitualmente são classificados dentro de uma mesma escola ou corrente.

Dentre as principais questões tematizadas na teoria do conhecimento podemos citar: as fontes primeiras de todo conhecimento ou ponto de partida; o processo que faz com que os dados se transformem em juízos ou afirmações acerca de algo; a maneira como é considerada a atividade do sujeito frente ao objeto a ser conhecido; o âmbito do que pode ser conhecido segundo as regras da verdade etc.”LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Teoria do conhecimento.In: MORA DE OLOIVEIRA, Armando et al. Primeira filosofia. Tópicos de filosofia geral, p 175.

Cada teoria do conhecimento constitui, portanto , uma reflexão filosofia como o objetivo de investigar as origens, as possibilidades, os fundamentos , a extensão e o valor do conhecimento.

Foi somente a partir da Idade Moderna que a teoria do conhecimento passou a ser tratada como uma das disciplinas centrais da filosofia. Nesse seu processo de valorização colaboraram, de forma decisiva, as obras do filosofo francês René Descartes (1596-1650), do filosofo inglês John Locke (1632-1704) e do filosofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), conforme veremos adiante.

Sujeito e objeto: elementos do processo de conhecer

O que é, afinal, conhecer ? Vejamos uma primeira noção.

Conforme analisa o filosofo Richard Rorty, na concepção de grande parte dos filósofos , “conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente”!. É a interpretação de que o conhecimento é representação , isto é, uma “imagem” ou “reprodução”,mental da coisa conhecida.

Assim, de acordo com a noção representacionista do conhecimento, quando conhecemos, por exemplo, um pássaro, formamos uma representação, uma “imagem adequada” desse pássaro em nossa mente.

Outra noção importante é a de que, no processo de conhecimento, sempre existiria a relação entre dois elementos básicos:

· Um sujeito conhecedor (nossa consciência, nossa mente) e

· Um objeto conhecido (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos).

Só haveria conhecimento se o sujeito conseguisse apreender o objeto, isto é, conseguisse representa-lo mentalmente.

Dependendo da corrente filosófica , será dada, no processo de conhecimento, maior importância ao sujeito (é o caso do idealismo) ou ao objeto (é o caso do realismo ou materialismo). Vejamos.

Realismo

De acordo com as teorias realistas do conhecimento, as percepções que temos dos objetos são reais, ou seja, correspondem de fato às características presentes nesses objetos, na realidade. Por exemplo: as formas e cores que o sujeito percebe no pássaro são cores e formas que o pássaro realmente tem em si.

No realismo mais ingênuo, isto é menos critico, o conhecimento ocorre por uma apreensão imediata das características dos objetos, isto é, os objetos se mostram como realmente são ao conhecimento que então se estabelece.

Há no entanto, outras formas mais críticas de realismo, que problematizam a relação sujeito-objeto, mas que mantêm a idéia básica de que o objeto é determinante no processo de conhecimento.

Idealismo

Segundo as teorias idealistas do conhecimento, o sujeito predomina em relação ao objeto, isto é, a percepção da realidade é construída pelas nossas ideias, pela nossa consciência. Assim, os objetos seriam “construídos” de acordo com a capacidade de percepção do sujeito.

Consequentemente, o que existiria como realidade seria a representação que o sujeito faz do objeto. Por exemplo: as formas e cores que o sujeito. Por exemplo: as formas e cores que o sujeito percebe no pássaro são apenas idéias ou representações desses atributos; não entra em questão se elas realmente estão no pássaro.

Também no idealismo, há posições mais ou menos radicais em relação à afirmação do sujeito como elemento determinante na relação de conhecimento.

Empirismo: a valorização dos sentidos

A palavra empirismo tem sua origem no grego empiria, que significa “experiência sensorial”.

O empirismo defende que todas as nossas ideias são provenientes de nossas percepções sensoriais (visão, audição, tato, paladar, olfato). Como disse o filosofo empirista inglês John Locke (1632-1704) : “nada vem à mente sem ter passado pelos sentidos”.

Locke afirma também que, ao nascermos, nossa mente é como um papel em branco, desprovida de ideias. De onde provém, então, o vasto conjunto de ideias que existe na mente humana? A isso, Locke responde com uma só palavra: da experiência. E a experiência, segundo Locke, supre nosso conhecimento por meio de duas operações: sensação e reflexão. A sensação leva para a mente as varias e distintas percepções das coisas, sendo, por isso, bastante dependente dos sentidos. Já a reflexão consiste nas operações internas de nossa própria mente que, nesse caso, desenvolve as ideias primeiras fornecidas pelos sentidos. Assim, conclui Locke:

“Afirmo que estas duas, a saber, as coisas materiais externas, como objeto da sensação, e as operações de nossas próprias mentes, como objeto da reflexão, são, a meu ver, os únicos dados originais dos quais as ideias derivam”.

LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano, p.160.

Racionalismo: a confiança na razão

A palavra racionalismo deriva do latim ratio, que significa “razão” . O termo é empregado de muitas maneiras. Aqui, racionalismo está sendo empregado para designar a doutrina que atribui exclusiva confiança na razão humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. Ou, como recomendou o filósofo racionalista Descartes (1596-1650): “nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidencia de nossa razão”.

Os racionalistas afirmam que a experiência sensorial é uma fonte permanente de erros e confusões sobre a complexa realidade do mundo. Somente a razão humana, trabalhando com os princípios lógicos, podem atingir o conhecimento verdadeiro, capaz de ser universalmente aceiro. Para o racionalismo, os princípios lógicos fundamentais seriam inatos, isto é, eles já estão na mente do homem desde o seu nascimento. Daí por que a razão deve ser considerada como a fonte básica do conhecimento.

Apriorismo kantiano: entre a experiência e a razão

Vimos que o empirismo considera a experiência dos sentidos como a base do conhecimento. Já o racionalismo afirma ser a razão humana a verdadeira fonte do conhecimento. Existem também posições filosóficas que buscam um meio – termo para essas visões tão opostas. É o caso do que se denominou apriorismo kantiano. Vejamos.

Kant (1724 – 1804) afirma que todo conhecimento começa com a experiência, mas que a experiência sozinha não nos dá o conhecimento. Ou seja, é preciso um trabalho do sujeito para organizar os dados da experiência. Por isso, ele buscou saber como é o sujeito a priori, isto é, o sujeito antes de qualquer experiência, e conclui que existem no homem certas faculdades ou estruturas (as quais ele denomina formas da sensibilidade e do entendimento) que possibilitam a experiência e determinam o conhecimento.

Para Kant, portanto, a experiência forneceria a matéria do conhecimento (os seres do mundo), enquanto a razão organizaria essa matéria de acordo com suas formas próprias, estruturas existentes a priori no pensamento (daí o nome apriorismo).

Depois de Kant, muitos outros pensadores continuaram debruçando sobre o problema do conhecimento e chegando a posições diversas do apriorismo kantiano. Como em tantos outros campos da filosofia, a questão do conhecimento é assunto que escapa a uma palavra final é definitiva.

Possibilidades do conhecimento

A capacidade de conhecer a verdade

Somos capazes de conhecer a verdade? É possível ao sujeito apreender o objeto? Afinal, quais são as possibilidades do conhecimento humano?

As respostas dadas a essas questões levam ao surgimento de duas correntes básicas e antagônicas na historia da filosofia. Uma é o ceticismo, que diagnostica a impossibilidade de conhecermos a verdade. A outra é o dogmatismo, que define a possibilidade de conhecermos a verdade.

Mas o que queremos dizer por verdade ? Que verdade é essa da qual tratam tantos pensadores? A palavra verdade tem um sentido básico de uma correspondência entre o que se pensa ou se diz e a realidade que se quer conhecer ou expressar. Se eu digo “O pássaro é azul” e o pássaro é realmente azul, então isso é uma verdade, um conhecimento verdadeiro.

No entanto, quando os diversos filósofos que tratam da temática do conhecimento falam em “conhecer a verdade” estão se referindo não só a esse sentido básico, mas também, e principalmente, à idéia de conhecer como o objeto é na sua essência, ou seja a realidade mesma, intrínseca, daquilo que se quer conhecer.

Nesse sentido, eles também usam a expressão o ser das coisas, ou seja, sua realidade essencial. O que se discute aqui é que, por exemplo: o pássaro pode parecer azul a muitas pessoas, mas ser de um verde-azulado para outras, talvez ter outra cor totalmente distinta ou mesmo não ter cor nenhuma. Qual será a cor verdadeira desse pássaro ? Será possível conhecer a verdade?

Vejamos, então, algumas das teses (ou respostas dadas a essa pergunta), das principais correntes do ceticismo e do dogmatismo e , em seguida, uma terceira doutrina, o criticismo, que tenta superar o impasse criado por essas posições antagônicas.

Ceticismo absoluto: tudo ilusório

O ceticismo absoluto consiste em negar de forma total nossa possibilidade de conhecer a verdade. Assim, para o ceticismo absoluto, o homem nada pode afirmar, pois nada pode conhecer com total certeza.

Muitos consideram o filósofo grego Górgias (485-380 a. C) o pai do ceticismo absoluto. Segundo ele “o ser não existe; se existisse não poderíamos conhecê-lo. Se pudéssemos conhecê-lo, não poderíamos comunicá-los aos outros”.

Outros estudiosos apontam o filosofo grego Pirro (365-275 a. C) como o fundador do ceticismo absoluto . Pirro afirmava ser impossível o homem conhecer a verdade devido a duas fontes principais de erro:

· Os sentidos – segundo Pirro , nossos conhecimentos são provenientes dos sentidos (visão, audição, olfato, tato , paladar). Mas estes não são dignos de confiança, pois podem nos induzir ao erro.

· A razão - Para Pirro, as diferentes e contraditórias opiniões manifestadas pelas pessoas sobre os mesmos assuntos revelam os limites de nossa inteligência. Jamais alcançaremos certeza de qualquer coisa.

Os críticos de ceticismo absoluto consideram-no uma doutrina radical, estéril e contraditória. Radical porque nega totalmente a possibilidade de conhecer. Estéril porque não leva a nada.Contraditória porque, ao dizer que nada é verdadeiro, acaba afirmando que pelo menos existe algo de verdadeiro, isto é, o conhecimento de que nada é verdadeiro. Então, aqueles que duvidam plenamente da nossa possibilidade de conhecer, ironiza o filosofo Jacques Maritain “só poderiam filosofar guardando o silêncio absoluto – mesmo no interior de suas almas”

Ceticismo relativo : o domínio do provável

O ceticismo relativo, como o próprio nome diz, consiste em negar apenas parcialmente nossa capacidade de conhecer a verdade, ou seja, apresenta uma posição moderada em relação às possibilidades de conhecimento, comparada ao ceticismo absoluto.

Em doutrinas que manifestam um ceticismo relativo, destacamos as seguintes :

· Subjetivismo – considera o conhecimento uma relação puramente subjetiva e pessoal entre o sujeito e a realidade percebida. O conhecimento limita-se às ideias e representações elaboradas pelo sujeito pensamente, sendo impossível alcançar a objetividade. O subjetivismo nasce com o pensamento do grego Protágoras, sofista do séc. V a. C, que dizia que o homem é a medida de todas as coisas, ou seja , a verdade é uma construção humana, ela não está nas coisas;

· Relativismo – entende que não existem verdades absolutas, mas apenas verdades relativas, que tem uma validade limitada a um certo tempo, a um determinado espaço social, enfim , a um contexto histórico etc.;

· Probabilismo –propões que nosso conhecimento é incapaz de atingir a certeza plena. O que devemos alcançar é uma verdade provável. Essa probabilidade pode ser digna de maior ou menor credibilidade, mas nunca chegará ao nível da certeza completa, da verdade absoluta.

· Pragmatismo- propõe uma concepção dos homens como seres práticos, ativos, e não pensantes seres. Por isso, abandonam a pretensão de alcançar a verdade, entendida como a correspondência entre o pensamente e a realidade. Para o pragmatismo, o conceito de verdade deve ser outro: verdadeiro é aquilo que é útil, que dá certo, que serve aos interesses das pessoas na sua vida prática. Nesse sentido, a verdade não seria correspondência do pensamento com objeto, mas a correspondência do pensamento com o objetivo a ser atingido.

Dogmatismo: a certeza da verdade

Uma doutrina é dogmática quando defende, de forma categórica, a possibilidade de atingirmos a verdade. Dentro do dogmatismo, podemos distinguir duas variantes básicas:

· Dogmatismo ingênuo- predominante no senso comum , confia plenamente nas possibilidades do nosso conhecimento . Não vê problemas na relação sujeito conhecedor e objeto conhecido. Crê que, sem grandes dificuldades, percebemos o mundo tal qual ele é;

· Dogmatismo crítico – defende nossa capacidade de conhecer a verdade mediante um esforço conjugado de nossos sentidos e de nossa inteligência. Confia que, através de um trabalho metódico, racional e cientifico, o ser humano se torna capaz de conhecer a realidade do mundo.

Criticismo: busca de superação do impasse

O criticismo, desenvolvido pela filosofia de Kant no século XVIII, representa uma tentativa de superação do impasse criado pelo ceticismo e o dogmatismo. Tal como o dogmatismo, acredita na possibilidade do conhecimento, mas se pergunta pelas reais condições nas quais seria possível esse conhecimento. Trata-se de uma posição crítica diante da possibilidade de conhecer.

O resultado dessa postura critica desenvolvida por Kant leva a uma distinção entre o que o nosso entendimento pode conhecer e o que não pode.

A ciência e outras espécies de conhecimento

A ciência é apenas uma parte da tentativa da humanidade de compreender o mundo em todos os seus aspectos. O homem esforça-se por descobrir uma ordem no fluxo da experiência, quer essa ordem seja observada, como na repetição das estações, quer seja postulada por teorias refinadas como as da relatividade, mecânica quântica e evolução. A busca da ordem na experiência une ciência, literatura, historia, religião, filosofia e arte. A ciência procura essa ordem na experiência da natureza adquirida pelo homem; a literatura e a arte procuram-na na experiência interior do homem e em suas relações com os seus semelhantes; a história, no passado humano; a religião, na relação do homem com um Ser Supremo; e a filosofia em todos esses empreendimentos humanos.

A ciência tanto restringe como amplia a experiência da natureza. Restringe essa experiência quando se empenha em eliminar tudo o que nela for puramente pessoal. Procura remover tudo o que for único no cientista, individualmente considerado: recordações, emoções e sentimentos estéticos despertados pelas disposições de átomos, as cores e os hábitos de pássaros, ou a imensidão da via-láctea. Também se esforça por banir seja o que for que as pessoas experienciam mas em diferentes graus, dependendo da perspectiva e das condições físicas da experiência. Por conseguinte, a ciência elimina a maior parte da aparência sensual e estética da natureza. Poentes e cascatas são descritos em termos de frequência de raios luminosos, coeficientes de refração e forças gravitacionais ou hidrodinâmicas. Evidentemente, essa descrição, por mais elucidativa que seja, não é uma explicação completa daquilo que realmente experienciamos.

Ao esforça-se por ser objetiva, a ciência exclui toda e qualquer referencia a experiência subjetiva, individual ou coletiva. Logo, a ciência descreve um mundo de coisas sem valor, interatuando como se a humanidade não existisse. Mas como a natureza que experienciamos está impregnada de nossas avaliações – como no terror dos furacões, na calma das lagoas e na tristeza doce e suave do cair das folhas -, a descrição cientifica da natureza permanece fria, incompleta e insatisfatória.

Por outro lado, a ciência amplia o conhecimento ao corrigir a nossa experiência imediata da natureza. A ciência não substitui essa experiência mas transcende-a, pois a experiência imediata é o nosso primeiro e sumamente tendencioso encontro com a natureza, e está frequentemente errada. Na experiência imediata, deparamos com objetos sólidos e cores, mas a ciência demonstrou que um objeto sólido é, na realidade, um aglomerado de partículas e que as suas cores não lhe são inerentes. A ciência começa precisamente porque não podemos entender ou controlar de forma adequada a natureza, dentro dos limites da experiência comum.(...)

Ciência, literatura, arte, historia, religião e misticismo iluminam aspectos da realidade. A filosofia esforça-se por ver a realidade total. Analisa a natureza e as descobertas dos diferentes ramos do conhecimento, examina os pressupostos em que elas assentam e os problemas a que dão origem, e procura estabelecer uma visão coerente do domínio total da experiência. Cada uma dessas formas do conhecimento merece ser cultivada per se. À sua maneira própria, cada uma delas familiariza;nos com uma parte da realidade. Devemos ver a ciência em seu lugar e não esperar que ela assimile ou desacredite essas outras atividades.

KNELLER, George F.

A ciência como atividade humana, p. 149 -152.

A ciência se inicia com problemas

Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.

O seu objetivo é descobrir uma ordem invisível que transforme os fatos de enigma em conhecimento (...)

Aqui somos forçados a viajar séculos para trás, para que os tempos em que nossos pais, os gregos , começaram a pensar sobre o mundo e a se fazerem as perguntas com que os cientistas lutam até hoje. Porque as perguntas que eles fizeram não admitiam uma resposta única e final. Eram como portas que, uma vez abertas, vão dar numa outra porta, muito maior, é verdade, que por sua vez dá em outra, indefinidamente. E aqui estamos nós abrindo portas com as perguntas que geraram as nossas chaves. Vamos seguir o seu pensamento.

Você já notou que a nossa experiência cotidiana, o que vemos , ouvimos, sentimos, é um fluxo permanente de impressões que não se repete nunca?”Tudo flui, nada permanece. Não se pode entrar duas vezes num mesmo rio”, dizia Heráclito de Éfeso..

A despeito disso - e aqui está algo que é muito curioso, nós somos capazes de falar sobre as coisas, de ser entendidos, de ter conhecimento.

Nunca mais haverá nuvens idênticas àquelas que produziram o temporal de ontem. A despeito disto serei capaz de identificar nuvens como nunca existiram antes e dizer que delas a chuva virá. Também nunca mais terei uma laranjeira como aquela que morreu de velhice. Mas seria capaz de identificar uma outra da mesma qualidade e de prever quanto tempo levará para começar a dar os seus frutos.

Como explicar que o meu discurso sobre as coisas não fique colado às suas aparências ? Parece que, ao falar, eu sou capaz de enunciar verdades escondidas, ausentes do visível, expressivas de uma natureza profunda das coisas. Tanto assim que, quando falo, pretendo que estou dizendo a verde não apenas sobre aquele momento transitório, mas também sobre o passado e o futuro. Laranjas são doces, a água mata a sede, as estrelas giram em torno da Terra, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos: estas não são afirmações sobre o sensório imediato. Elas têm pretensões universais.

Esta foi a grande obsessão da filosofia grega: estabelecer um discurso que falasse sobre a natureza íntima das coisas, que permanece a mesma em meio à multiplicidade de suas manifestações (...)

A leitura da filosofia grega nos introduz , passo a passo , às diferentes fases desta busca, a partir dos filósofos milesianos que achavam que as coisas mantinham sua unidade em meio à multiplicidade porque , lá no fundo, todas se reduziam a um mesmo suco, uma mesma essência. Progressivamente houve uma passagem desta posição, que explica a unidade em termos de substância para uma outra que considera que a questão fundamental são as relações de funções.

RUBEM ALVES.

Filosofia da ciência, p. 40-1.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Carta da Terra

PREÂMBULO
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações.
Terra, Nosso Lar
A humanidade é parte de um vasto universo
em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma comunidade de vida única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todas as pessoas. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado. A Situação Global
Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e é causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.
Desafios Para o Futuro
A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano é primariamente ser mais, não, ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios, ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes.
Responsabilidade Universal
Para realizar estas aspirações devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa comunidade local. Somos ao mesmo tempo cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual, a dimensão local e global estão ligadas. Cada um comparte responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem estar da família humana e do grande mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo presente da vida, e com humildade considerando o lugar que ocupa o ser humano na natureza.
Necessitamos com urgência de uma visão de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à emergente comunidade mundial. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, todos interdependentes, visando um modo de vida sustentável como critério comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas de negócios, governos, e instituições transnacionais será guiada e avaliada.
PRINCÍPIOS
I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DE VIDA
1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.
a. Reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente do uso humano.
b. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.
2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.
a. Aceitar que com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao meio ambiente e de proteger o direito das pessoas.
b. Afirmar que, o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder comporta responsabilidade na promoção do bem comum.
3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas.
a. Assegurar que as comunidades em todos níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e dar a cada a oportunidade de realizar seu pleno potencial.
b. Promover a justiça econômica propiciando a todos a consecução de uma subsistência significativa e segura, que seja ecologicamente responsável.
4. Garantir a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e as futuras gerações.
a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras.
b. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem, a longo termo, a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra.
Para poder cumprir estes quatro extensos compromissos, é necessário:
II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA
5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial preocupação pela diversidade biológica e pelos processos naturais que sustentam a vida.
a. Adotar planos e regulações de desenvolvimento sustentável em todos os níveis que façam com que a conservação ambiental e a reabilitação sejam parte integral de todas as iniciativas de desenvolvimento.
b. Estabelecer e proteger as reservas com uma natureza viável e da biosfera, incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar nossa herança natural.
c. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas em perigo.
d. Controlar e erradicar organismos não-nativos ou modificados geneticamente que causem dano às espécies nativas, ao meio ambiente, e prevenir a introdução desses organismos daninhos.
e. Manejar o uso de recursos renováveis como a água, solo, produtos florestais e a vida marinha com maneiras que não excedam as taxas de regeneração e que protejam a sanidade dos ecossistemas.
f. Manejar a extração e uso de recursos não renováveis como minerais e combustíveis fósseis de forma que diminua a exaustão e não cause sério dano ambiental.
6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e quando o conhecimento for limitado, tomar o caminho da prudência.
a. Orientar ações para evitar a possibilidade de sérios ou irreversíveis danos ambientais mesmo quando a informação científica seja incompleta ou não conclusiva.
b. Impor o ônus da prova àqueles que afirmam que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que os grupos sejam responsabilizados pelo dano ambiental.
c. Garantir que a decisão a ser tomada se oriente pelas conseqüências humanas globais, cumulativas, de longo termo, indiretas e de longa distância.
d. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas.
e. Evitar que atividades militares causem dano ao meio ambiente.
7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.
a. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos.
b. Atuar com restrição e eficiência no uso de energia e recorrer cada vez mais aos recursos energéticos renováveis como a energia solar e do vento.
c. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias ambientais saudáveis.
d. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e habilitar aos consumidores identificar produtos que satisfaçam as mais altas normas sociais e ambientais.
e. Garantir acesso universal ao cuidado da saúde que fomente a saúde reprodutiva e a reprodução responsável.
f. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e o suficiente material num mundo finito.
8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e uma ampla aplicação do conhecimento adquirido.
a. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento.
b. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuem para a proteção ambiental e o bem-estar humano.
c. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a proteção ambiental, incluindo informação genética, estejam disponíveis ao domínio público.
III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA
9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social, econômico e ambiental.
a. Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, distribuindo os recursos nacionais e internacionais requeridos.
b. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma subsistência sustentável, e dar seguro social [médico] e segurança coletiva a todos aqueles que não são capazes de manter-se a si mesmos.
c. Reconhecer ao ignorado, proteger o vulnerável, servir àqueles que sofrem, e permitir-lhes desenvolver suas capacidades e alcançar suas aspirações.
10. Garantir que as atividades econômicas e instituições em todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável.
a. Promover a distribuição eqüitativa da riqueza dentro e entre nações.
b. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento e aliviar as dívidas internacionais onerosas.
c. Garantir que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas laborais progressistas.
d. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas conseqüências de suas atividades.
11. Afirmar a igualdade e a eqüidade de gênero como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, ao cuidado da saúde e às oportunidades econômicas.
a. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda violência contra elas.
b. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida econômica, política, civil, social e cultural como parceiros plenos e paritários, tomadores de decisão, líderes e beneficiários.
c. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e a criação amorosa de todos os membros da família.
12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social, capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, dando especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.
a. Eliminar a discriminação em todas suas formas, como as baseadas na raça, cor, gênero, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social.
b. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas relacionadas a formas sustentáveis de vida.
c. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os para cumprir seu papel essencial na criação de sociedades sustentáveis.
d. Proteger e restaurar lugares notáveis, de significado cultural e espiritual.
IV.DEMOCRACIA, NÃO VIOLÊNCIA E PAZ
13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e proporcionar-lhes transparência e prestação de contas no exercício do governo, a participação inclusiva na tomada de decisões e no acesso à justiça.
a. Defender o direito a todas as pessoas de receber informação clara e oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que poderiam afetá-las ou nos quais tivessem interesse.
b. Apoiar sociedades locais, regionais e globais e promover a participação significativa de todos os indivíduos e organizações na toma de decisões.
c. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de assembléia pacífica, de associação e de oposição [ou discordância].
d. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos administrativos e judiciais independentes, incluindo mediação e retificação dos danos ambientais e da ameaça de tais danos.
e. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas.
f. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes e designar responsabilidades ambientais a nível governamental onde possam ser cumpridas mais efetivamente.
14. Integrar na educação formal e aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável.
a. Oferecer a todos, especialmente a crianças e a jovens, oportunidades educativas que possibilite contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.
b. Promover a contribuição das artes e humanidades assim como das ciências na educação sustentável.
c. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massas no sentido de aumentar a conscientização dos desafios ecológicos e sociais.
d. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma subsistência sustentável.
15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.
a. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e diminuir seus sofrimentos.
b. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento externo, prolongado o evitável.
16. Promover uma cultura de tolerância, não violência e paz.
a. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro das e entre as nações.
b. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e outras disputas.
c. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até chegar ao nível de uma postura não-provocativa da defesa e converter os recursos militares em propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica.
d. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em massa.
e. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico mantenha a proteção ambiental e a paz.
f. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.
O CAMINHO ADIANTE
Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Tal renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os valores e objetivos da Carta.
Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa, e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão. Devemos aprofundar e expandir o diálogo global gerado pela Carta da Terra, porque temos muito que aprender a partir da busca iminente e conjunta por verdade e sabedoria.
A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis. Porém, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e comunidade têm um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma governabilidade efetiva.
Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com um instrumento internacional legalmente unificador quanto ao ambiente e ao desenvolvimento.
Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.

MITO DE NARCISO: A FONTE DA VAIDADE

Narciso era filho do deus-rio Cephisus e da ninfa Liriope, e era um jovem de extrema beleza. Porém, à despeito da cobiça que despertava nas ninfas e donzelas, Narciso preferia viver só, pois não havia encontrado ninguém que julgasse merecedora do seu amor. E foi justamente este desprezo que devotava às jovens a sua perdição.

Pois havia uma bela ninfa, Eco, amante dos bosques e dos montes, companheira favorita de Diana em suas caçadas. Mas Eco tinha um grande defeito: falava demais, e tinha o costume de dar sempre a última palavra em qualquer conversa da qual participava.

Um dia Hera, desconfiada - com razão - que seu marido estava divertindo-se com as ninfas, saiu em sua procura. Eco usou sua conversa para entreter a deusa enquanto suas amigas ninfas se escondiam. Hera, percebendo a artimanha da ninfa, condenou-a a não mais poder falar uma só palavra por sua iniciativa, a não ser responder quando interpelada.

Assim a ninfa passeava por um bosque quando viu Narciso que perseguia a caça pela montanha. Como era belo o jovem, e como era forte a paixão que a assaltou! Seguiu-lhe os passos e quis dirigir-lhe a palavra, falar o quanto ela o queria... Mas não era possível - era preciso esperar que ele falasse primeiro para então responder-lhe. Distraída pelos seus pensamentos, não percebeu que o jovem dela se aproximara. Tentou se esconder rapidamente, mas Narciso ouviu o barulho e caminhou em sua direção:

- Há alguém aqui?

- Aqui! - respondeu Eco.

Narciso olhou em volta e não viu ninguém. Queria saber quem estava se escondendo dele, e quem era a dona daquela voz tão bonita.

- Vem - gritou.

- Vem! - respondeu Eco.

- Por que foges de mim?

- Por que foges de mim?

- Eu não fujo! Vem, vamos nos juntar!

- Juntar! - a donzela não podia conter sua felicidade ao correr em direção do amado que fizera tal convite.

Narciso, vendo a ninfa que corria em sua direção, gritou:

- Afasta-te! Prefiro morrer do que te deixar me possuir!

- Me possuir... - disse Eco.

Foi terrível o que se passou. Narciso fugiu, e a ninfa, envergonhada, correu para se esconder no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. Evitava o contato com os outros seres, e não se alimentava mais. Com o pesar, seu corpo foi definhando, até que suas carnes desapareceram completamente. Seus ossos se transformaram em rocha. Nada restou além da sua voz. Eco, porém, continua a responder a todos que a chamem, e conserva seu costume de dizer sempre a última palavra.

Não foi em vão o sofrimento da ninfa, pois do alto, do Olimpo, Nêmesis vira tudo o que se passou. Como punição, condenou Narciso a um triste fim, que não demorou muito a ocorrer.

Havia, não muito longe dali, uma fonte clara, de águas como prata. Os pastores não levavam para lá seu rebanho, nem cabras ou qualquer outro animal a freqüentava. Não era tampouco enfeada por folhas ou por galhos caídos de árvores. Era linda, cercada de uma relva viçosa, e abrigada do sol por rochedos que a cercavam. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede.

Narciso debruçou sobre a fonte para banhar-se e viu, surpreso, uma bela figura que o olhava de dentro da fonte. "Com certeza é algum espírito das águas que habita esta fonte. E como é belo!", disse, admirando os olhos brilhantes, os cabelos anelados como os de Apolo, o rosto oval e o pescoço de marfim do ser. Apaixonou-se pelo aspecto saudável e pela beleza daquele ser que, de dentro da fonte, retribuía o seu olhar.

Não podia mais se conter. Baixou o rosto para beijar o ser, e enfiou os braços na fonte para abraça-lo. Porém, ao contato de seus braços com a água da fonte, o ser sumiu para voltar depois de alguns instantes, tão belo quanto antes.

Porque me desprezas, bela criatura? E por que foges ao meu contato? Meu rosto não deve causar-te repulsa, pois as ninfas me amam, e tu mesmo não me olhas com indiferença. Quando sorrio, também tu sorris, e responde com acenos aos meus acenos. Mas quando estendo os braços, fazes o mesmo para então sumires ao meu contato.

Suas lágrimas caíram na água, turvando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou:

- Fica, peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te.

Assim Narciso ficou por dias a admirar sua própria imagem na fonte, esquecido de alimento e de água, seu corpo definhando. As cores e o vigor deixaram seu corpo, e quando ele gritava "Ai, ai", Eco respondia com as mesmas palavras. Assim o jovem morreu.

As ninfas choraram seu triste destino. Prepararam uma pira funerária e teriam cremado seu corpo se o tivessem encontrado. No lugar onde faleceu, entretanto, as ninfas encontraram apenas uma flor roxa, rodeada de folhas brancas. E, em memória do jovem Narciso, aquela flor passou a ser conhecida pelo seu nome.

Dizem ainda, que quando a sombra de Narciso atravessou o rio Estige, em direção ao Hades, ela debruçou-se sobre suas águas para contemplar sua figura.