A psicologia estuda o comportamento, a biologia os organismos vivos, a física os fenômenos mais fundamentais da natureza, a história estuda o passado e filosofia estuda o pensamento. São todos exemplos de que o conhecimento possui campos distintos. No entanto, uma pergunta se impõe: como cada uma dessas ciências vê a metodologia de seu trabalho, isto é, que categorias de análise, instrumentos e conceitos são fundamentais para que o saber seja constituído em cada campo de conhecimento?
No caso específico da história a filosofia recentemente se ocupou da reflexão sobre as relações entre as idéias e a história. O tema recebeu o nome de “filosofia da história” e foi cunhado pelo filósofo Voltaire. Trata-se de investigar a relação entre o trabalho técnico do historiador – investigar documentos, reconstituir os traços econômicos, político e culturais de uma época, etc. – e o modo como esse historiador interpreta os acontecimentos. Mas é também uma questão de ir além da descrição dos fatos históricos. A filosofia da história desdobra o significado dos fatos, as conexões entre as idéias e o contexto político, econômico e cultural de uma época ou de um povo. Do ponto de vista da filosofa, o historiador não é apenas um coletor de informações. Ele reflete sobre essas informações, reconstrói com sua inteligência aspectos que as fontes sozinhas não permitem inferir e o faz com enorme carga crítica. Há reflexões sobre a história em Hegel e Marx.
A filosofia da história é a preocupação dos trabalhos do historiador e filósofo Collingwood [1889-1943]. Este autor entendia que, ao estudar a história, não estamos simplesmente lidando com fatos brutos do passado. Ao estudar uma batalha, como a guerra travada entre gregos e troianos, o historiador não deve imaginar que poderá retratar com realismo o que de fato ocorreu. O retrato fiel da batalha será sempre objeto de ficção na mente do historiador. O maior ou menor grau de exatidão dependerá da época e dos registros disponíveis para pesquisa.
Collingwood (A Idéia de História, 1989) lembra que a história como disciplina isolada é um fenômeno recente. Na idade média os fatos históricos eram curiosidades que animavam os estudos de teologia. Do século XVI até o XIX houve um enorme desenvolvimento da ciência natural. A filosofia se ocupou bastante da relação entre o espírito humano e o mundo que o cerca. Mas, apesar de pensar historicamente, a filosofia não chegou a levantar problemas concretos sobre o estudo do passado. A história permanecia um tópico de teoria do conhecimento.
É somente no século XVIII que se começa a pensar a história de modo crítico, momento em que a disciplina ganha um corpo de problemas próprio. É verdade que existiu Heródoto, hoje considerado o pai da história, que empregou a palavra “investigação” para definir seu relato sobre a guerra entre gregos e persas [490-479 a.C.]. Também é certo que existiu Tucídides, outro historiador grego que se ocupou do relato dos conflitos entre Atenas e Esparta. Mas estes e outros são fenômenos isolados e não serviram para criar uma área específica de saber que estuda os gestos humanos do passado.
Collingwood define a história como investigação e afirma que seu objeto específico é o conjunto de gestos humanos que no passado interferiram na história. Os instrumentos do historiador são os documentos que servem de fonte para que se formule perguntas, se descreva os acontecimentos históricos e se recrie, ainda que mentalmente, os cenários históricos. Quanto à análise dos conceitos e valores que acompanham
os gestos humanos do passado, Collingwood diz que essa é uma tarefa para a filosofia da história.
Uma pergunta provocante que a filosofia faz ao historiador é a seguinte: será que nos estudos históricos do passado não há sempre um componente de mito e imaginação? Deixaremos essa questão em aberto para que o leitor mesmo responda. Platão dizia que a diferença entre mito e discurso é que o primeiro se serve de imagens para captar a realidade, ao passo que o segundo busca apoio nos fatos, no tempo e nos documentos, enfim, numa racionalidade.
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