terça-feira, 3 de agosto de 2010

NATUREZA E CULTURA [parte 2]


1.cabeca_mulher.jpgO relativismo cultural

Contemporaneamente, alguns autores valorizam a cultura de outra maneira, ou seja, sem pretensão à universalidade, escapando, assim, dessa naturalização do que é convenção humana. A partir das pesquisas mais recentes das Ciências Humanas, aprendemos a reconhecer a relatividade dos valores e das normas das diferentes culturas; mas o problema dos limites do relativismo permanece. Ao estudar a diversidade cultural dos povos no planeta, a Antropologia Cultural, por exemplo, aprofunda a discussão do relativismo. Os antropólogos tendem a se opor aos filósofos, que tradicionalmente pensavam apenas numa modalidade de "Razão" (com letra maiúscula e no singular). Sob a influência da diversidade cultural, os pensadores, filósofos e antropólogos, passaram a reconhecer a pluralidade das "racionalidades" (com letra minúscula e no plural).

O QUE É CULTURA?

"Cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais passam. É preciso relacionar a variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. As variações nas formas de família, por exemplo, ou nas maneiras de habitar, de se vestir ou de distribuir os produtos do trabalho não são gratuitas. Fazem sentido para os agrupamentos humanos que as vivem, são resultado de sua história, relacionam-se com as condições materiais de sua existência. Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas." (...)

"O desenvolvimento dos grupos humanos se fez segundo ritmos diversos e modalidades variáveis, não obstante a constatação de certas tendências globais. Isso se aplica, por exemplo, às formas de utilização e transformação dos recursos naturais disponíveis. Não só esses recursos são heterogêneos ao longo das terras habitáveis, como ainda territórios semelhantes foram ocupados de modos diferentes por populações diferentes. Apesar dessa variabilidade são notórias algumas tendências dominantes. Assim, por exemplo, em vários lugares e épocas, grupos humanos inicialmente nômades e dependentes da caça e da coleta para sua sobrevivência passaram a se sedentarizar, isto é, a viver em aldeias e vilas, acompanhando o desenvolvimento da agricultura e domesticação dos animais."

SANTOS, José Luiz. O que é cultura, p.8-11.


AFINAL, O QUE SIGNIFICA "SER" HUMANO?escher1.jpg

Precisamos, então, de uma perspectiva intermediária, que nos permita articular natureza e cultura de modo equilibrado. A cultura pode ser pensada como uma esfera que prolonga a natureza e que efetivamente realiza suas potencialidades. Precisamos ir além da oposição estrita, explorando a ambigüidade existente entre esses dois pólos tidos como opostos; ou seja, podemos perceber alguns elementos que nos levem à superação da oposição rígida entre natureza e cultura: na medida em que a cultura é pensada como horizonte no qual a natureza se desdobra e se realiza plenamente.

A própria noção de técnica, por exemplo, contém essa ambigüidade, podendo tender para um extremo ou outro, ou, então, nos apontando a complementaridade das duas esferas. O objeto técnico é fabricado pelo homem, sendo, portanto, um objeto cultural, mas que exige que pressuponhamos sempre alguma compreensão do funcionamento da natureza.

Dica - O termo grego para técnica, tékhne, é traduzido pelos latinos como arte, ars. Esse dado lingüístico inicial já aponta para uma relação diferente entre natureza e cultura; podemos pensar no uso técnico da natureza, através da mediação do artístico, ou seja, partindo da ordenação (kósmos) imanente à natureza e tendo em vista a beleza do objeto fabricado, para além de sua mera função.

A especificidade do ser humano não seria, então, a imposição de uma racionalidade sobre a natureza, mas a articulação engenhosa entre o natural e o fabricado. O ser humano é duplamente irredutível, a uma ou outra ordem, pois ele é cultural na natureza e natural na cultura; ela deve então, tentar escapar de quaisquer determinações fixas e definitivas.

O que a biologia nos faz pensar

A filosofia contemporânea, enquanto instância reflexiva que acolhe as diversas modalidades de saber, tem que assimilar a profusão de conhecimentos científicos produzidos e pensá-los criticamente, mas também construtivamente. A filosofia se renova, na medida em que enfrenta os inúmeros desafios que os avanços científicos levantam. Além da Antropologia Cultural, destacamos aqui a Biologia e, nessa, em particular, os desdobramentos recentes da Teoria da Evolução, que têm muito a nos ensinar sobre as relações entre natureza e cultura.

É importante fazermos, inicialmente, algumas reflexões sobre a noção de "evolução", para afastarmos um preconceito cultural que acaba por pretender impor à natureza uma suposta superioridade do humano, ou, novamente, uma valorização da cultura em detrimento da natureza.

A evolução não é um movimento inerente à natureza que conduziria necessariamente rumo a um progresso, no sentido de ir do pior para o melhor. O próprio Charles Darwin (1809-1882) adverte quanto ao uso metafórico do termo "evolução" (ele fala em "descendência com modificação" e evita usar os termos "superior" e "inferior"). Trata-se então de um processo, lento e permanente, de transformação das espécies, em interação com o ambiente natural e, no caso dos humanos, com o ambiente cultural que lhes é inerente. É preciso despojar o termo da conotação valorativa forte, para pensarmos, antes, no desenvolvimento das espécies na direção de uma maior diversidade. Contra a idéia de que a evolução das espécies se dá como uma "escada" que conduz a organismos de algum modo "melhores" – maiores, mais rápidos, mais inteligentes ou mesmo mais complexos. Se persistirmos nessa direção, no fim das contas, recairemos numa valorização excessiva da espécie humana, que passaria a ser vista como o coroamento do progresso biológico. Uma vez que a vida começa sempre de um ponto de partida mais simples, a diversidade resultante é freqüentemente vista como uma complexidade maior e supostamente melhor. Mas a vida pode perfeitamente adaptar na direção de uma simplificação, como ocorre, por exemplo, entre as parasitas. A complexificação crescente é apenas um aspecto da transformação das espécies. A "distribuição" da complexidade é relativa ou limitada, dependendo das espécies em questão. Nesse sentido, vale lembrar a curiosa idéia da "reprodução imperfeita", segundo a qual os filhos não podem ser nem exatamente iguais, nem totalmente diferente dos pais, mas devem ser semelhantes, para que existam variações e que para que possa haver seleção.

Dica - Sobre a oposição entre "superioridade" e "diversidade", no contexto da teoria da evolução, veja algumas das ideias de Stephen Gould na página de internet: http://pt.wikipedia.org/wiki/Stephen_Jay_Gould .

A evolução não é só biológica, ela conta com transformações e adaptações culturais; as mudanças da espécie humana sempre aconteceram dentro de uma cultura, ou seja, os fatores naturais agem sempre em interação com circunstâncias e determinações culturais dadas. O que deve ficar claro é o quanto o cultural se enraíza no biológico e, inversamente, o quanto o biológico depende das transformações culturais. De um modo geral, devemos falar em "complementaridade" entre a aquisição de aptidões biológicas e a própria existência da cultura. Dados biológicos "evolutivos" e desenvolvimentos culturais se entrelaçam de um modo tal que não poderiam ser explicados separadamente.

Dica - Para uma compreensão aprofundada, veja, por exemplo, os textos de Marcos Oliveira e Edgar Morin.

Vejamos algumas desses elementos que nos convidam a pensar a evolução biológica da espécie humana, como estando intimamente interligada ao seu desenvolvimento cultural:

  • Um dos dados biológicos decisivos e mais interessantes para a nossa questão é o fato de o período da infância humana ser biologicamente longo. Essa ideia se insere no contexto maior da noção de "neotenia", segundo a qual existe um relativo inacabamento biológico do indivíduo humano adulto. Nossa configuração biológica pode (e deve) ser pensada como compatível com nossa necessidade de cuidado e educação (cultura). Ou seja, de um modo geral, podemos dizer que o cérebro humano seria impotente se fosse abandonado à sua efetividade natural; para realizar-se enquanto sistema biológico, ele exige educação, formação, instrução, inclusive para continuar se transformando (ou "evoluindo").
  • Outra ideia relacionada é a maturação sexual tardia entre os humanos: os indivíduos só estão sexualmente preparados (para a reprodução) depois de muitos anos de crescimento; esse fato biológico reforça a necessidade da preparação ou da educação (cultural) para a reprodução "natural"; podemos mesmo pensar na importância do processo chamado de "sublimação" como fundamental para a implementação da dimensão cultural no ser humano. A canalização da energia sexual para fins outros que a reprodução é uma condição para a realização de ações culturais, como o trabalho e a técnica. Nesse sentido, o enfraquecimento da "mobilização instintiva" (agir principalmente por instinto) está relacionado com a redução de comportamentos estereotipados, permitindo assim uma maior abertura para o ambiente, uma maior plasticidade nas reações aos acontecimentos, em termos de comportamentos e iniciativas técnicas, maior disponibilidade para o imprevisto, maior capacidade de reflexão e criatividade.
  • A própria fragilidade e nudez do corpo humano parecem "sugerir" a necessidade de desenvolvimento de técnicas de proteção e de vestimenta, complementos culturais decisivos para a "arquitetura" natural dos corpos de homens e mulheres. Essa vulnerabilidade física parece contar com a necessidade de um meio social organizado, protetor e viabilizador de projetos humanos fabricadores.
  • O maxilar humano é pequeno e frágil, "supondo" o cozimento dos alimentos e a facilitação da aquisição e uso da linguagem!
  • A oposição entre o polegar e os outros dedos ("pinça") se relaciona claramente com a utilização de instrumentos.
  • O próprio fato de o sistema gastro-intestinal ser biologicamente compatível com o cozimento de alimentos é um indicador claro da complexidade da relação entre o natural e o cultural.

A expressão das emoções humanas não é mais natural que o uso da linguagem.

No ser humano, não há duas camadas separáveis, natureza e cultura.

O que você pensa? Desenvolva argumentos contra ou a favor e dê exemplos de suas próprias posições.

"Não é mais natural ou menos convencional gritar quando se tem raiva ou beijar quando se sente amor do que chamar uma mesa de "mesa". Os sentimentos e as condutas passionais são tão inventadas quanto as palavras. Mesmo aqueles comportamentos que, como a paternidade, parecem inscritos no corpo humano são, na realidade, instituições. É impossível sobrepor no homem uma primeira camada de comportamentos que chamaríamos de "naturais" e um mundo cultural ou espiritual fabricado. Tudo é fabricado e tudo é natural no homem, assim como diríamos, nesse sentido, que não há uma só palavra, uma só conduta que não deva algo ao ser simplesmente biológico, e que, ao mesmo tempo, não escape da simplicidade da vida animal (...). Os comportamentos criam significações que transcendem o dispositivo anatômico, mas que, no entanto, são imanentes ao comportamento enquanto tal, uma vez que ele é aprendido e compreendido."

MERLEAU-PONTY, Fenomenologia da percepção, p.220-221.

Dica – Compreenda dois termos do vocabulário filosófico: "ser imanente" – estar ou permanecer dentro, sob; exemplo: a força de um animal; "transcender" – ir além, estar acima de; exemplo: o uso que um animal faz de sua força para superar barreiras.

CONCLUSÃO

O que aprendemos sobre a relação entre natureza e cultura?fevereiro 07 127.jpg

Podemos dizer que a pergunta "como se dá a passagem da natureza à cultura?" é uma formulação corriqueira e apressada de nossa questão. O problema é que, posta dessa maneira, ela nos leva a pensar em dois momentos, ou duas camadas, distintas e separáveis, que, depois, tentaríamos relacionar. Na verdade, esse modo de compreender as coisas é enganoso; não existe um homem natural anterior ao homem cultural; não existe um estado de natureza abstrato, independente do ambiente cultural; todo ser humano é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, natural e cultural. Portanto, a melhor formulação parece mesmo ser: como devemos pensar a relação entre natureza e cultura?

O importante é retermos que tanto "natureza" como "cultura" são conceitos ou idéias a serem pensados, e não estados, ou situações que podem ser vividos separadamente, enquanto tais. Esta separação que fazemos ao falar do problema se chama "abstração", processo mental, só possível de se realizar intelectualmente.

Outro modo de imaginarmos essa dissociação é pelo mito ou pela ficção. É o caso do mito de Prometeu, a que já nos referimos, ou da conhecida história de Tarzan, que podemos dizer que acabou virando um mito contemporâneo. Na realidade, alguns casos raros de indivíduos que viveram isolados durante períodos de suas vidas também nos permitem imaginar e refletir sobre o que significam esses conceitos.

Dica - Alguns filmes exploram essas situações de maneira variada e inteligente: O Enigma de Kasper Hauser, do diretor Werner Herzog, O milagre de Anne Sullivan (sobre Hellen Keller), de Arthur Penn, O garoto selvagem, de François Truffaut, entre outros.

Um risco que corremos ao pensarmos a natureza assim, separada, abstrata, mesmo através de mitos e filmes, é o de a idealizarmos e depois nos esquecermos que se trata de uma idealização. O "bom selvagem" é uma imagem que pode nos ajudar a compreender a natureza, mas não é uma descrição ou uma avaliação razoável do que significa a natureza nas nossas vidas vividas; nossas vidas são mais complexas, misturadas e, nelas, não é fácil separar o que é natural (dado) do que é cultural (adquirido).

Uma conseqüência deste tipo de atitude, que valoriza uma natureza idealizada, é julgarmos negativamente comportamentos supostamente não-naturais, chamando-os de anormais ou monstruosos. Podemos dizer que a história da civilização ocidental é atravessada por esse tipo de atitude: a recusa de diferenças culturais e de comportamentos, que são considerados como se fossem desvios ou doenças, como, por exemplo, os preconceitos raciais e sexuais, a violência dos nazistas em nome de uma suposta raça superior. Essas posições são, na verdade, assumidas em nome de certas compreensões "culturais" da natureza, ou seja, de idéias de natureza criadas e desenvolvidas pelos diferentes grupos sociais, em determinados contextos e épocas. Mais cedo ou mais tarde, essas posições se revelam parciais, francamente erradas e mesmo perigosas.

Ao final desse percurso, vemos que a natureza de um ser, em geral, é sua constituição, que deve ser pensada sempre no conjunto de relações que ele mantém com outros seres. A natureza nos seres humanos deve ser sempre compreendida na relação com a cultura, da qual emerge e com relação à qual se diferencia. Entre afinidades e diferenças, o percurso pelas concepções de alguns filósofos, aliado à reflexão crítica, indica que não só para sobrevivermos, mas para vivermos bem, temos que compreender de modo inteligente a natureza e agir de acordo com o que aprendermos, ou seja, de modo consciente e responsável, na satisfação de nossas demandas e desejos materiais; e, ainda, para convivermos bem nas comunidades humanas, temos que levar em conta que as regras e punições, nesse jogo sério que é a vida compartilhada (natural e cultural), são inteiramente de nossa responsabilidade.

TEXTOS COMPLEMENTARES

"Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera nas mãos do homem. Ele força uma terra a alimentar as produções de outra, uma árvore a carregar os frutos de outra. Mistura e confunde os climas, os elementos, as estações. Mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo. Perturba tudo, desfigura tudo, ama a deformidade e os monstros. Não quer nada da maneira que a natureza o fez, nem mesmo o homem; é preciso que seja domado por ele, como um cavalo adestrador; é preciso apará-lo à sua maneira, como uma árvore em seu jardim.

Sem isso, tudo iria ainda pior, e nossa espécie não quer ser moldada pela metade. No estado em que agora as coisas estão, um homem abandonado a si mesmo desde o nascimento entre os outros seria o mais desfigurado de todos. Os preconceitos, a autoridade, a necessidade, o exemplo, todas as instituições sociais em que estamos submersos abafariam nele a natureza, e nada poriam em seu lugar".

ROUSSEAU. Emílio ou Da Educação, p. 7.

"Se um homem atribui, no todo ou em parte, as desgraças de seu país ou suas próprias desgraças à presença de elementos judeus na comunidade, se propõe remediar tal estado de coisas, privando os judeus de alguns de seus direitos ou afastando-os de certas funções econômicas e sociais ou expulsando-os do território, ou exterminando-os a todos, diz-se que alimenta opiniões anti-semitas.

Esta palavra opinião dá o que pensar... É a mesma que a dona de casa emprega a fim de encerrar uma discussão que ameaça azedar. Sugere que todos os pareceres são equivalentes, tranqüiliza e infunde aos pensamentos uma feição inofensiva, assimilando-os aos gostos. Todos os gostos ocorrem na Natureza, todas as opiniões são permitidas; gostos, cores e opiniões não se discutem".

SARTRE. Reflexões sobre o racismo, p.5.

"Em tudo o que se segue, adoto, portanto, o ponto de vista de que a inclinação para a agressão constitui, no homem, uma disposição instintiva original e auto-subsistente, e retorno à minha opinião, de que ela é o maior impedimento à civilização. (...) Posso agora acrescentar que a Civilização constitui um processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos humanos isolados, depois famílias e, depois ainda, raças, povos e nações numa única grande unidade, a unidade da Humanidade. Porque isso tem de acontecer, não sabemos; o trabalho de Eros é precisamente este. Essas reuniões de homens devem estar libidinalmente ligadas umas às outras. A necessidade, as vantagens do trabalho em comum, por si sós, não as manterão unidas. Mas o natural instinto agressivo do homem, a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra cada um, se opõe a esse programa da civilização. Esse instinto agressivo é o derivado e o principal representante do instinto de morte, que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do mundo. Agora, penso eu, o significado da evolução da civilização não mais nos é obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte, entre o instinto de vida e o instinto de destruição, tal como ela se elabora na espécie humana. Nessa luta consiste essencialmente toda a vida, e, portanto, a evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da espécie humana pela vida".

FREUD, O mal-estar na civilização, p.175.

Manifesto Antropófago - "Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question". (...)

"A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.

OSWALD DE ANDRADE. Em Piratininga. Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha".
Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.
Consultado em:
http://antropofagia.uol.com.br/manifestos/antropofagico

"(...) esses povos que consideramos estarem totalmente dominados pela necessidade de não morrerem de fome, de se manterem num nível mínimo de subsistência, em condições materiais muito duras, dão perfeitamente capazes de pensamento desinteressado; ou seja, são movidos por uma necessidade ou um desejo de compreender o mundo que os envolve, a sua natureza e a sociedade em que vivem. Por outro lado, para atingirem este objetivo, agem por meios intlectuais, exatamente como faz um filósofo ou até, em certa medida, como pode fazer e fará um cientista. Esta é minha hipótese de base".

LEVI-STRAUSS, Mito e significado, p.30-31.

"O cérebro dos monos tem massa 3 a 4 vezes menor que a do cérebro humano (cerca de 400g, contra nossas 1.400g). Seu número estimativo de neurônios está em torno de 20 bilhões, enquanto nós temos 86 bilhões em média – quantidade determinada experimentalmente no meu instituto pelo aluno de mestrado Frederico Azevedo. Apesar das diferenças quantitativas, há muitas semelhanças entre o cérebro do chimpanzé e o cérebro humano: ambos têm uma arquitetura semelhante de giros e sulcos, assimetrias similares entre o hemisfério direito e o esquerdo, e uma proporção de cerca de 40% ocupada pelas regiões do lobo frontal envolvidas com as funções cognitivas mais complexas.

Entretanto, as semelhanças entre os chimpanzés e os seres humanos não escondem as suas diferenças, que são enormes. A linguagem é rudimentar em nossos parentes antropóides; sua capacidade de aprendizagem por observação e imitação não ultrapassa a de uma criança pequena; sua habilidade de intuir o comportamento de terceiros pela observação do olhar e dos gestos é mínima, incomparável com a nossa (embora erremos muito nesse quesito...). Há também controvérsias sobre a capacidade de os monos se reconhecerem ao espelho, como nós fazemos com tanta vaidade.

Acima de tudo, a organização social humana dominou a Terra, não se sabe se para o bem ou para o mal. Mas o fato é que nos tornamos capazes de construir uma sociedade complexa, cooperativa e altamente sofisticada, ao contrário dos grandes símios, organizados em grupos sociais comparativamente rudimentares. Também superamos muito a capacidade tosca dos nossos parentes antropóides de fabricar ferramentas e instrumentos de uso manual. Extrapolamos essa habilidade, e dispomos hoje de tecnologias de altíssima sofisticação, inimagináveis em qualquer outro grupo animal conhecido".

Assim caminhou a humanidade, de Robert Lent. Disponível em: Ciência Hoje.
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/bilhoes-de-neuronios/assim-caminhou-a-humanidade/?searchterm=Assim caminhou a humanidade
Consulta: 04/02/2010.

"Perto do fim? Um artigo publicado na (revista) Science, no dia 4 de dezembro (2009), projeta para 2020 o fim do desmatamento da Amazônia. O estudo, que tem o professor Britaldo Soares Filho, do Instituto de Geo-ciências (da UFMG), como um de seus autores, prevê investimentos entre 7 e 18 bilhões de dólares para que esse horizonte seja alcançado. É uma meta de realização difícil, mas factível, considerando o cenário que se desenha. "Basta lembrarmos que, entre 2004 e 2009, houve redução de 27 mil km2 para 7 mil km2 de desmatamento na região", argumenta o professor Britaldo, que apresentará as conclusões do estudo, em evento paralelo à 15ª. Conferência das Partes (COP 15), sobre as mudanças climáticas, que começa nesta segunda-feira 7, em Copenhague".

Boletim da UFMG, no.1679, ano 36, 7/12/2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário