sábado, 24 de julho de 2010

O mito de Prometeu

Quando chegou o momento de as raças mortais nascerem, os deuses as fabricaram através de uma mistura de terra e fogo. Antes de as trazerem da terra para a luz, encarregaram os deuses irmãos Prometeu e Epimeteu de repartirem os poderes entre os seres vivos, de modo a estabelecer uma ordenação boa e equilibrada no mundo. Epimeteu pediu a Prometeu para deixá-lo fazer a distribuição, permitindo que o irmão a verificasse ao final.

Ao repartir os poderes, Epimeteu dotava uns de força e lentidão, e dava velocidade aos mais fracos; ele "armava" uns (com membros) e aos que não tinham "armas" ele dava outra capacidade de sobrevivência. Aos pequenos, deu asas para que pudessem fugir; a outros deu tamanho grande, o que já lhes garantia a sobrevivência; na sua repartição, foi, assim, compensando as diferentes capacidades, para evitar que uma ou outra raça fosse destruída; depois de garantir a todos os meios de evitar a destruição mútua, começou a preparar para lhes proteger contra os perigos das estações; deu a alguns pelos e peles grossas para o inverno e para servir de cama, na hora de dormir; mas também deu, a outros, peles finas e poucos pelos, para o calor; a uns ele deu cascos, a outros peles sem sangue; depois deu para cada um alimentos diferentes, a uns plantas, a outros raízes; a uns deu como comida a carne de outros animais, dando-lhes também uma reprodução mais difícil, para que fossem em menor número; às suas vítimas, garantiu reprodução abundante, assegurando a sobrevivência das espécies.

Mas como não era exatamente sábio, Epimeteu gastou, sem perceber, todos os poderes com os animais que não falam; faltava ainda a raça humana, que não tinha recebido nada e ele ficou sem saber o que fazer!

Enquanto ele estava nesse impasse, chegou Prometeu e viu que todos os seres vivos estavam harmoniosamente providos de tudo o que precisavam, mas que o ser humano estava nu, descalço, sem coberta e "sem armas". E o dia marcado para eles saírem da terra para a luz já estava chegando. Sem saber então o que fazer para preservar os humanos, Prometeu resolveu roubar o fogo do deus Hefesto e o saber técnico da deusa Atena, e dá-los de presente para os humanos. Desse modo, o ser humano passaria a ter o necessário para a vida.

Por causa dessa proximidade com os deuses, o ser humano foi o primeiro a reconhecê-los e a dedicar-lhes altares e imagens; depois, graças à sua técnica, começou a emitir sons articulados e palavras, inventou as casas, as roupas e os calçados, as cobertas e os alimentos cultivados na terra. Assim equipados, os seres humanos viviam, primeiro, dispersos, pois não tinham cidades; ficavam expostos e, sendo mais fracos, eram mortos pelos animais selvagens; sua técnica, mesmo sendo uma grande ajuda para conseguir alimentos, era insuficiente na guerra contra os animais. De fato, eles ainda não possuíam a técnica da política, da qual faz parte a técnica da guerra. Eles tentavam se reunir para garantir sua sobrevivência, criando cidades, mas eram injustos demais uns contra os outros, se dispersavam e acabavam morrendo.

Prometeu havia dado aos humanos o saber técnico, sem o saber político, que estava com Zeus. Só depois, Zeus, temendo que nossa espécie se extinguisse totalmente, mandou o deus Hermes levar para os humanos o Respeito (aidós) e a Justiça (díke), para estabelecer a ordem nas cidades e as relações de solidariedade e amizade que reúnem os homens. Hermes perguntou a Zeus como deveria distribuir o Respeito e a Justiça: do mesmo modo como distribuiu as outras técnicas, ou seja, poucos com cada uma, para servir muitos? Ou seria o caso de distribuir o Respeito e a Justiça igualmente para todos? Zeus ordenou que ele fizesse de modo com que todos participassem desses dois dons divinos, pois não seria possível ter cidades, se só alguns poucos os tivessem; ordenou também que fosse instaurada a seguinte lei: que fosse condenado à morte o homem que se mostrasse incapaz de receber e exercer o Respeito e a Justiça.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A RAZÃO NA HISTÓRIA SEGUNDO HEGEL

“Se olharmos a história racionalmente, ela nos olhará racionalmente de volta” [1] Essa citação de Hegel expõe, em linhas gerais, o que o filósofo alemão compreende por Filosofia da História; ou seja, a observação refletida dos fatos históricos. O Idealismo Absoluto de Hegel não permite uma separação entre realidade e pensamento, o que não significa que a História deva ser, em vez da expressão mais fiel dos dados, uma composição por especulação filosófica. A conclusão que expõe a razão na história, verificada em seu olhar que dirige-se de volta ao filósofo, é o resultado da análise filosófica dos fatos expostos na História. Essa conclusão é única e necessária, e tem grande importância na Filosofia sistemática de Hegel, pois, o Espírito, que é razão, se autodesenvolve na História.

Para evitar tal confusão de significados, Hegel distingue, no capítulo 1 de sua Filosofia da História, três tipos de História. Resumidamente, são eles: 1. História original, que refere-se a uma passagem do fenômeno exterior para a representação intelectual, para a posteridade, realizada pelos historiadores que presenciaram o próprio momento histórico, 2. História refletida, que abrange diversas categorias de exposição que influenciam no conteúdo factual da História Original, culminando em um tipo de “História conceitual”, de certa forma semelhante à 3. História Filosófica, abordagem racional dos fatos históricos como todo que, por meio da contemplação e especulação sobre estes, desenvolve um autêntico pensamento histórico filosófico.

É relevante notar que a História, para Hegel, começa apenas com os “povos cientes de sua existência e vontade” [2]. Essa condição é realizada apenas na criação do Estado, o que implica dizer que agrupamentos de pessoas em famílias, tribos, comunidades ou demais alianças não constituem ainda a realização formal da Idéia presente no grupo. Para entender melhor o que Hegel quer dizer com “Idéia” e “Espírito” é necessário adentrar em seu sistema filosófico, o que possibilita também situar a História dentro dele. Da mesma forma, cabe esclarecer um conceito-chave para Hegel, a dialética, um movimento no qual a realidade está em um constante devir.

1. O SISTEMA FILOSÓFICO E BREVES CONCEITOS

A obra Fenomenologia do Espírito, de 1807, é a primeira publicação que abarca a concepção hegeliana da Filosofia como sistema, mas não se propõe a um detalhamento, tratando especialmente do aparecimento do Espírito no mundo. A obra foi projetada para ser uma introdução ao pensamento maduro de Hegel e comenta o sistema apenas em linhas gerais, especialmente no prefácio, deixando-o para ser exposto detalhadamente em livros subseqüentes. Essa pretensão se efetivou com a publicação, em 1817, da primeira edição da Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Epítome, obra concebida para auxiliar o professor Hegel em suas preleções universitárias, contendo o sistema em sua forma mais completa.

Não sendo o sistema filosófico o principal estudo da Fenomenologia, é possível afirmar que a exposição do movimento dialético é sua principal tarefa, ou, se não, ao menos a sua mais imponente intuição. A dialética hegeliana, que renova o sentido do termo anteriormente associado, principalmente, do método socrático de dialogar, é um processo no qual a realidade mesma se dá, num curso invariável de afirmação, negação e reafirmação. Em um parágrafo quase poético, Hegel define assim a dialética:

“O botão desaparece no desabrochar da flor, e pode-se afirmar que é refutado pela flor. Igualmente, a flor se explica por meio do fruto como um falso existir da planta, e o fruto surge em lugar da flor como verdade da planta. Essas formas não apenas se distinguem, mas se repelem como incompatíveis entre si. Mas a sua natureza fluida as torna, ao mesmo tempo, momentos da unidade orgânica na qual não somente não entram em conflito, mas uma existe tão necessariamente quanto a outra.” [3]

É em coerência com esse movimento dialético que o Espírito se autocompreende no devir histórico. Espírito, em Hegel, não remete ao misticismo que o termo, em primeira vista, nos tenta a associar ao seu significado. O “Espírito”, ou “Geist”, no alemão original, compõe a totalidade, o real necessário já mediado pelo pensamento, a efetividade desprovida de contingência. No sistema, o domínio do Espírito representa a Idéia Absoluta voltando a si a partir de sua alteridade, a Natureza.

A Idéia, por sua vez, começa sua trajetória no domínio da Lógica, em que é apreendida racionalmente, desde o puro ser até a sua configuração absoluta. Essa apreensão ocorre por meio de uma construção intelectual do pensamento que pensa o pensamento, ou, por definição, da autêntica reflexão filosófica. A Idéia abandona o círculo da Lógica para se contrapor à Natureza, que, sendo antítese da Lógica, é ausência de pensamento. Daí, prosseguindo sua trajetória no movimento dialético, a Idéia chega ao âmbito do Espírito, onde se reencontra em si e para si, realizando-se efetivamente na forma absoluta.

Cada um dos três círculos dialéticos principais que formam o sistema filosófico se subdivide em diversos círculos, caracterizando o sistema como um círculo de círculos. O domínio do Espírito se divide em Espírito Subjetivo (Antropologia, Fenomenologia e Psicologia), Espírito Objetivo (Direito Abstrato, Moralidade, Eticidade) e Espírito Absoluto (Arte, Filosofia e Religião). A Eticidade, por sua vez, se subdivide em família, sociedade civil e Estado, âmbito no qual, enfim, está a História, como o estágio mais desenvolvido da tríade Direito público interno (tese), Direito público externo (antítese) e História Mundial (síntese).

2. O ESPÍRITO NA HISTÓRIA: LIBERDADE E AUTOCONSCIÊNCIA

O pensamento de Hegel sobre a História está exposto, em sua maior parte, na obra póstuma intitulada Introdução à Filosofia da História, uma das publicações compostas a partir das aulas ministradas pelo filósofo, baseadas em anotações suas e de alunos. Há também, em linhas gerais, uma exposição sobre a História registrada na obra Fundamentos da Filosofia do Direito, publicada pela primeira vez por Hegel, em 1821.

É impossível falar da História na filosofia hegeliana sem falar daquilo que se encontra no centro de todos os círculos de círculos de seu sistema: a liberdade. Em sua juventude, Hegel foi um dos idealistas alemães que viveram e comemoraram a Revolução Francesa. Posteriormente, com o aprimoramento de sua filosofia, o ideal revolucionário da liberdade revelou-se a essência verdadeira do Espírito. Sobre isso, em Filosofia da História, Hegel afirma que “como a substância da matéria é o peso, assim devemos dizer que a substância, a essência do Espírito, é a liberdade”.

O conceito de liberdade aqui usado não tem relação com o livre-arbítrio, ou com a ausência de restrições que o termo significa no pensamento liberal clássico. Hegel concebe a liberdade no sentido de harmonia entre o indivíduo e a comunidade, uma identificação entre os interesses particulares e o interesse geral presentes em um povo. Tal concepção vai contra a visão kantiana que, para definir liberdade, suprime todos os desejos humanos, como que numa condição para uma razão “livre” atuar. Hegel, como Kant, vê universalidade na razão, mas admite o elemento do desejo na constituição da liberdade, ao entendê-la presente na efetivação de uma sociedade em que “os indivíduos realmente escolham obedecer e apoiar, concordando genuinamente com seus princípios e verdadeiramente encontrando sua satisfação individual ao serem membros dele”.

O melhor exemplo para a compreensão do que Hegel considera uma sociedade onde o coletivo e o individual se harmonizam é a Grécia antiga, sociedade mais próxima da concepção de liberdade hegeliana, ainda que de forma imperfeita. Nela, o cidadão não opunha a vida privada à vida pública, ou, numa definição mais contextual, o cidadão se via tão intrinsecamente ligado a sua cidade que não distinguia os interesses dela de seus próprios interesses. Essa identificação representava uma integração do indivíduo no todo, que, para Hegel, é anterior e maior que suas partes.

Essa liberdade grega, porém, ainda não está completa. A ação dos cidadãos gregos, motivada pelo hábito, é causada ainda por uma força externa ao indivíduo, da mesma forma que ocorre numa sociedade despótica, por exemplo, e não se constituindo, por isso, em uma opção racional. Aqui se define um ponto de identificação entre Hegel e Kant: ambos acreditam que a consideração racional do dever-ser é necessária ao indivíduo como condição para a liberdade verdadeira. “A liberdade não pode ser alcançada sem o pensamento crítico e a reflexão” [4], e dessa forma Hegel se põe mais uma vez próximo da racionalidade iluminista.

Dando continuidade aos fatos históricos a partir da Grécia antiga, podemos observar o desenvolvimento da História segundo Hegel. A harmonia grega, após seu declínio, cedeu espaço à hegemonia romana. O Império Romano, novo portador do “Espírito do mundo”, é visto por Hegel como uma sociedade de frustração individual, em que os indivíduos não se identificavam com o todo, e, incapazes de se oporem ao despotismo que lhes rouba a realidade, buscavam refúgio fora dela.

A culminância dessa busca dos romanos se dá com a assimilação do Cristianismo. Essa assimilação, porém, não se encerra apenas nesse sentido. A Religião Cristã guarda em si o mérito de conscientizar sobre a existência espiritual dos indivíduos, promovendo um desenvolvimento da compreensão do indivíduo como pertencente de um todo, uma realidade espiritual que é maior que a realidade material. O Cristianismo, porém, especialmente da maneira como foi promovido na Idade Média, não contribuiu mais para a autoconsciência do que para a evidência da corrupção da Igreja Católica.

Sendo assim, é na Reforma Protestante que Hegel encontra o verdadeiro marco que consolida este realçamento do indivíduo participante do todo. Isso porque, com ela, todo ser humano passa a poder alcançar a sua própria salvação e, da mesma forma, entende Hegel, cada ser humano passa a poder reconhecer a sua natureza espiritual. A Reforma proporcionou ao indivíduo utilizar a razão na formulação de juízos próprios, e esse é um passo importante rumo a liberdade baseada na reflexão crítica racional.

Após a concretização da Reforma, o mundo seguiu rumo a consolidação da racionalidade crítica nos indivíduos, agora estimulados a essa nova maneira de agir. Mas não bastaria que apenas os indivíduos adotassem essa atitude racional, também as instituições deveriam ser racionalizadas, de forma que a harmonia entre sociedade e indivíduo se estabelecesse. Hegel prossegue a análise da História, e, já próximo à sua própria época, encontrou a busca pela racionalização das instituições na Revolução Francesa.

Porém, ao contrário do que se poderia esperar, Hegel não vê a Revolução de 1789 com o mesmo olhar festivo de sua juventude. A indefinição que durou anos, incluindo a instauração da tirania na fase do Terror, foi uma prova do uso impróprio de conceitos filosóficos que, na prática, não poderiam se ajustar à disposição específica de um povo. Houve uma “compreensão errônea do papel da razão, que não deveria ser aplicada de forma isolada da comunidade existente e do povo que a forjou” [5].

A Revolução, apesar de falha, não é pouco importante. Os ideais tomados por ela, em que se destacam a razão e a liberdade, são inerentes a uma realidade desenvolvida, e compõem mesmo a essência e verdade última do Espírito. A propagação dos ideais revolucionários franceses pelo mundo é um fator destacado na História. Napoleão, por exemplo, tendo invadido a Alemanha, foi considerado por Hegel “a Razão a cavalo”, o que favoreceu o desenvolvimento do Espírito no povo germânico.

3. O ESPÍRITO QUE SE MOVE

Hegel, na obra Filosofia da História, afirma que “a liberdade consiste somente no saber e querer objetos universais, substanciais, como o direito e a lei, produzindo uma realidade que lhes é conforme: o Estado” [6]. O filósofo alemão não vê a possibilidade da realização da liberdade além dos limites de um Estado. Ao contrário, entende que a Idéia do Estado está presente em qualquer comunidade organizada, e sua efetivação, no Estado realizado efetivamente, permite ao homem exercitar a liberdade.

O Estado, portanto, é em si um Espírito, que, no âmbito mundial, está como um indivíduo estaria em um suposto estado de natureza. Um povo que ainda não é Estado, ou seja, ainda não objetivou a Idéia presente em sua organização, não representa uma potência absoluta sobre a Terra. A soberania, quando alcançada, existe em função de seu bem-próprio, o que não pode ser modificado, por exemplo, em um tratado internacional entre nações.

A partir disso, Hegel vê com incredulidade o fim de conflitos entre nações. Da mesma forma, justifica o domínio mundial por um povo específico como o próprio desenvolvimento do Espírito do Mundo. Hegel chama esses povos de “povos histórico-mundiais”. Dentro dessa concepção, o filósofo identifica ainda os “indivíduos histórico-mundiais”, indivíduos que, por sua ação, realizam a Idéia do Espírito Absoluto no mundo. Ambos os agentes, povos e indivíduos, são instrumentos inconsciente do Espírito para a sua realização, e promovem o seu desenvolvimento para a liberdade e a autoconsciência. Resumidamente, neles se dá o verdadeiro devir histórico.


Escolhas morais

Assim, as condutas dos indivíduos podem variar entre dois extremos, o do consentimento e o da negação da moral vigente, constituindo o que podemos chamar de escolhas morais.
Na escola moral estão em jogo tanto fatores objetivos como subjetivos. Os fatores objetivos estão relacionados aos costumes e as normas já estabelecidos, bem como a educação e a cultura em geral. Já os fatores subjetivos estão ligados a liberdade e a responsabilidade pessoal.
Uma primeira possibilidade de escolha é a da ação moralmente boa ou correta, que ocorre quando o indivíduo adere conscientemente a uma norma moral e cumpre-a, reconhecendo-a como legítima. É o caso , por exemplo, de uma pessoa que trata de maneira respeitosa a todas as pessoas, porque entende, como a sociedade em geral, que todas as pessoas merecem respeito.
Complementar essa opção é a da ação moralmente má ou incorreta, ou seja a ação que contraria uma determinada norma moral, sem, no entanto, contesta-la como norma universal. É como se o indivíduo abrisse uma exceção para agir contra a norma. É o caso, por exemplo, da pessoa que foi indelicada com outra por algum motivo banal, embora reconheça que a atitude correta é a de ter respeito por todos.
Outra possibilidade ocorre quando o indivíduo recusa conscientemente uma norma moral por entendê-la inadequada ou ilegítima. Essa situação caracteriza-se como um conflito ético, que aponta para uma ruptura com a moral vigente. É o caso, por exemplo, das mulheres que usaram saias como um comprimento bem menor do que o considerado adequado pela sociedade de seu tempo, confrontando a moral vigente sobre o grau “permitido” De exposição pública do corpo.
Diferente do conflito ético é a situação de niilismo ético , que se caracteriza pela negação radical de todo e qualquer valor moral. O permissivismo moral, por sua vez, seria uma versão deteriorada e individualista do niilismo ético, na qual, por trás da negação dos valores vigentes, se escondem interesses particulares.

A transformação da moral

Dissemos que o sistema moral de cada grupo social é elaborado ao longo do tempo de acordo com os valores reconhecidos por aquele grupo como significativos para a convivência social.

Num primeiro momento, esses valores são adquiridos pelos indivíduos como uma herança cultural. Cada indivíduo assimila , desde a infância noções do que é bom e desejável, e também do que é ruim, desaconselhável ou repugnante. De acordo com esses valores, ele passará a julgar como bons ou maus o seu próprio comportamento e dos outros.

No entanto , é importante notar que, apesar desse caráter social , a oral tem também um aspecto pessoal. Ou seja, embora herdemos um conjunto estabelecido de normas morais chega um momento em nossas vidas em que podemos refletir sobre ele, aceitá-lo consciente e livremente ou rejeita-lo. Por isso dissemos anteriormente, na comparação entre normas morais e normas jurídicas, que o comportamento moral se caracteriza essencialmente pela livre escolha do indivíduo . Portanto, a liberdade é a base da conduta moral.

Na relação entre indivíduo e sociedade , o indivíduo pode reafirmar e consolidar a moralidade existente. Mas ele pode também nega-la e, dessa forma, contribuir para transformação dessa moralidade. Assim, podemos caracterizar essa relação entre sociedade e indivíduo como dialética, ou seja, uma relação de mútua influência entre dois pólos, em que:

  • Por um lado, o indivíduo, um ser singular , é levado , através da educação , à universalidade expressa nos costumes e normas morais. Isso significa que cada indivíduo assimila os princípios morais consolidados como próprios do ser humano até então.
  • Por outro lado, os indivíduos, não assimilando passivamente esses princípios, podem contestá-los ou interferir em sua formulação, de acordo com as novas condições histórico-sociais, e acabar por transformar as normas e costumes morais.

Liberdade X determinismo


Pelo que vimos até aqui, há responsabilidade moral quando existe liberdade pessoal. Isso coloca diante de outra questão: Somos realmente livres para decidir ? Que liberdade é essa ?

Do ponto de vista da discussão filosófica, podemos sintetizar três respostas diferentes para essa questão

A ênfase do determinismo - A liberdade não existe, pois o homem é sempre determinado, seja por sua natureza biológica ( necessidade e instintos) seja por sua natureza histórico-social ( leis, normas , costumes). Ou seja, as ações individuais seriam causadas e determinadas por fatores naturais ou constrangimentos sociais, e a liberdade seria apenas uma ilusão. Essa concepção encontra-se presente no pensamento de filósofos materialistas do século XVII tais como os franceses Helvetius( 1715-1771) e Holbach ( 1723-1789).

  • A ênfase na liberdade- o homem sempre é livre. Embora os defensores dessa posição admitam a existência das determinações de origem externa, sociais, e as de origem interna, tais como desejos, impulsos etc., sustentem a tese de que o indivíduo possui uma liberdade moral que está acima dessas determinações. Ou seja, apesar de todos os fatores sociais e subjetivos que atual sobre cada indivíduo, ele sempre possui uma possibilidade de escolha e pode agir livremente a partir de sua autodeterminação. A maior expressão dessa concepção filosófica acerca da liberdade encontrada no pensamento de Jean – Paul Sartre, que afirmou que “ o homem é condenado a ser livre”.
  • A dialética entre liberdade e determinismo – O homem é determinado e livre ao mesmo tempo. Determinismo e liberdade não se excluem, mas se completam . Nessa perspectiva não faz sentido pensar em uma liberdade absoluta nem em uma negação absoluta da liberdade. A liberdade é sempre uma liberdade concreta, situada no interior de um conjunto de condições objetivas de vida . Embora a nossa liberdade seja restringida por fatores objetivos que cercam a nossa existência concreta, podemos sempre atuar no sentido de alargar as possibilidades dessa liberdade, e isso será tanto mais eficiente quanto maior for a nossa consciência a respeito desses fatores. Essa concepção é encontrada nos pensamento de Espinosa, Hegel e Marx. Embora haja muitas diferenças entre eles, o ponto em comum é a ideia eu a liberdade é a compreensão da necessidade ( dos determinismo).

Moral e liberdade

A consciência é talvez a melhora característica que distingue o ser humano dos outros animais. Ela permite o desenvolvimento do saber e da racionalidade que se empenha em separar o falso do verdadeiro.

Além dessa consciência lógica, o ser humano possui também consciência moral, isto é, a faculdade de observar a própria conduta de formular juízos sobre os atos passados, presentes e as intenções futuras. E depois de julgar , o homem tem condições de escolher , dentre as circunstâncias possíveis, seu próprio caminho na vida.

A essa possibilidade que o homem tem de escolher seu caminho, construir sua maneira de ser e sua história chamamos de liberdade.

Assim, se consciência moral e liberdade estão intimamente relacionadas, só tem sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi praticada em liberdade. Quando não se tem escolha (liberdade), quando se é coagido a praticar uma ação, é impossível decidir entre o bem e o mal ( consciência moral ). A decisão , nesse caso, é imposta pelas forças coativas, isto é, que determinam uma conduta. Exemplo: tendo um filho seqüestrado, o pai cumpre ordens do seqüestrador. A ação desse pai está determinada pela coação do criminoso.

Quando, entretanto, estamos livres para escolher entre esta ou aquela ação e fazemos uma escolha, tornamo-nos responsáveis pelo que praticamos e podemos ser julgados moralmente por isso.

Observemos que o termo responsabilidade vem do latim respondere “responder”, e significa estar em condições de responder pelos atos praticados, isto é, de justificá-los assumi-los. É essa responsabilidade, enfim, que pode ser julgada pela consciência moral do próprio indivíduo ou grupo social

Virtude: liberdade com responsabilidade

Outra característica da consciência moral é a de que ela geralmente nos fala como uma voz interior que nos inclina para o caminho da virtude. Mas o que é virtude?

A palavra virtude deriva do latim virtus, “força ou qualidade essência” , e que significa no contexto da moral, a qualidade ou ação que dignifica o homem. E qual é essa qualidade ou ação ?

Há muitas interpretações sobre esse tema, mas podemos dizer, basicamente, que é a pratica constante do bem, correspondendo ao uso da liberdade com responsabilidade moral. Assim, são consideradas virtudes a polidez, a fidelidade, a prudência, a justiça, a coragem, a generosidade etc.

À ideia de virtude se opões a de vício que consiste na prática do mal, correspondendo ao uso da liberdade sem responsabilidade moral. Assim, são considerados vícios a violência , a infidelidade, a insensatez, a injustiça, a covardia, a mesquinhez etc.

Analisando essa relação entre responsabilidade e virtude , Erich Fromm concluiu que a responsabilidade primordial do ser humano está relacionada com a própria condição humana, isto é, com a realização de suas potencialidades de vida . Assim:

O bem é a afirmação da vida, o desenvolvimento das capacidades do homem. A virtude consiste em assumir a responsabilidade pçor sua própria existência . O mal constitui a mutilação das capacidades do homem; o vício reside na irresponsabilidade perante si mesmo.

FROMM, Erich. Análise do homem, p.30.

Moral e direito

Se a moral é o conjunto de normas de conduta de uma sociedade, qual a diferença entre normas morais e normas jurídicas ?

As normas morais e as normas jurídicas são estabelecidas pelos membros da sociedade, e ambas se destinam a regulamentar as relações nesse grupo de pessoas. Há, então, vários aspectos comuns entre normas morais e jurídicas . Por exemplo.

  • Apresentam-se como imperativos , ou seja, normas que devem ser seguidas por todos;
  • Buscam propor, através de normas, uma melhor convivência entre os indivíduos.
  • Orientam-se pelos valores culturais próprios de uma determinada sociedade;
  • Tem um caráter histórico, isto é, mudam de acordo com as transformações histórico-sociais;

No entanto, a despeito dessas semelhanças há diferenças fundamentais entre moral e direito:

As normas morais são cumpridas a partir da convicção pessoal de cada indivíduo enquanto as normas jurídicas devem ser cumpridas sob pena de punição por parte do Estado em caso de desobediência.

  • A punição, no campo do direito, está prevista na legislação, ao passo que, no campo da moral, a sanção eventual pode variar bastante, pois depende fundamentalmente da consciência moral do sujeito que infringe a norma;
  • A esfera da moral é mais ampla, atingindo diversos aspectos da vida humana, enquanto a esfera do direito se restringe a questões específicas nascidas da interferência de condutas sociais. O direito costuma ser regido pelo seguinte princípio: tudo é permitido que se faça, exceto aquilo que a lei expressamente proíbe;
  • A moral não se traduz em um código formal, enquanto o direito sim;
  • O direito mantém uma relação estreita com o Estado, enquanto a moral não apresenta essa vinculação.

De todas essas diferenças, talvez merca maior destaque: a coercibilidade da norma jurídica , que conta com a força e a repressão potencial do Estado ( através da ação da Justiça e da polícia) para ser obedecida pelas pessoas, Já a norma moral não é sustentada pela coerção do Estado; isso implica que ela depende, de certo modo, da aceitação de cada indivíduo para ser cumprida. Por isso, a norma moral costuma ser vinculada, por alguns filósofos, à ideia de liberdade. Veremos a seguir esse assunto com mais detalhe.

Distinção entre moral e ética

O que é moral? E qual a diferença entre moral e ética?

Embora os termos ética e moral por vezes sejam usados como sinônimos , é possível fazer uma distinção entre eles.

A palavra moral vem do latim mos mor, “costumes”, e refere-se ao conjunto de normas que orientam o comportamento humano tendo como base os valores próprios a uma dada comunidade ou cultura.

Como as comunidades humanas são distintas entre si, tanto no espaço quanto no tempo, os valores podem ser distintos de uma comunidade para outra, o que origina códigos morais diferentes.

Pertencem ao vasto campo da moral a reflexão sobre as questões fundamentais, como:

  • O que devo fazer para ser justo?
  • Quais valores devo escolher para guiar minha vida?
  • Há uma hierarquia de valores que deve ser seguida?
  • Que tipo de ser humano devo ser nas minhas relações comigo mesmo, com meus semelhantes e com a natureza?
  • Que tipo de atitudes devo praticar como pessoa e como cidadão?

A palavra Ética, por sua vez, vem do grego ethikos, “modo de ser”, “comportamento”, e se aplica à disciplina filosófica que investiga os diversos sistemas morais elaborados pelos homens, buscando compreender a fundamentação das normas e proibições (interdições) próprias a cada um e explicitar seus pressupostos, ou seja, as concepções sobre o ser humano e a existência humana que sustentam esses sistemas.

Nesse sentido a ética é uma disciplina teórica sobre uma prática humana, que é o comportamento moral. No entanto, as reflexões éticas não se restringem apenas à busca de conhecimento teórico sobre os valores humanos, cuja origem e desenvolvimento levantam questões de caráter sociológico, antropológico, religioso, político, econômico, etc.

Como filosofia prática, isto é, disciplina teórica com preocupações praticas, a ética orienta-se pelo desejo de unir o saber ao fazer, ou seja, busca aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que deve ser. E, para isso, é indispensável boa parcela de conhecimento teórico.

Hobbes

I. Contextualização

1. Concepção do homem

1.1 Sujeito é racional quando é capaz de adequar os meios aos fins
1.1.1 Desejo não se limita à necessidade. Envolve apetites, variedade de intensidade, é sujeito a mudanças; é uma paixão.
1.1.2 A razão é um instrumento para satisfazer a paixão
1.2 Igualdade fundamental entre os homens: todos possuem poder de satisfazer desejos e capacidade de serem violentos.
1.2.1 Perspectiva da escassez e da acumulação.
1.3 Só poderão ser detidos por uma força que se mostre superior à sua

2.Estado de Natureza

2.1 Estado onde o homem disputa de todas as coisas por direito natural e absoluto.
2.2 Direito de Natureza: é o direito e a liberdade de cada um para usar todo o seu poder—inclusive a força—para preservar a sua natureza e satisfazer os seus desejos.
2.3 Lei Natural: é a regra geral, ditada pela razão, que obriga cada um a preservar a sua própria vida e o proíbe de destruí-la
2.3.1 Primeira Lei da Natureza: todo homem deve esforçar-se para que a paz exista e seja mantida desde que haja expectativas reais de consegui-lo.
2.3.2 Violação da Primeira Lei da Natureza: faz com que passe a vigorar apenas o Direito de Natureza: todos recorrem ao livre uso da força para aumentar seu poder ou para impedir que o seu poder seja controlado por terceiros = Estado de Guerra.
2.4 Estado de Natureza = Estado de Guerra
2.4.1 Mesmo que não exista estado de batalha
2.4.2 Plena liberdade e total terror: a violência é iminente e pode ocorrer da forma mais imprevisível, sem qualquer causa aparente
2.4.3 Homens: Não podem gerar riqueza: ocupam-se durante todo o tempo em atacar outros ou em protegerem-se da possibilidade de serem atacados.

3. Sociedade política (Estado) é a única alternativa que a razão mostra existir ao estado de guerra

3.1 Segunda Lei da Natureza: para que haja paz e segurança, os homens devem concordar conjuntamente em renunciar ao direito de natureza (uso individual e privado da força)
3.1.1 Todos renunciam absoluta e simultaneamente
3.1.2 Ao renunciar, os homens transferem esse direito para outra pessoa, externa ao pacto: como todos os homens pactuam, esta pessoa não é um ser humano
3.1.3 Trata-se de um ser artificial, que se origina do pacto e que recebe os direitos e poderes naturais de todos os indivíduos: é o soberano = Estado
3.1.4 O pacto cria o soberano: todos os membros se tornam seus súditos, logo, todos devem obedecer ao soberano
3.1.5 A ordem política resulta do cálculo racional dos homens
3.2 Obrigação política (obediência) resulta da Terceira Lei da Natureza: os homens devem cumprir os pactos que fazem
3.2.1 É lei exigida pela razão e garantida pelo soberano: inclui a noção de consentimento (razão) e a noção de coerção (poder do soberano)
3.3. Soberania: poder do soberano é ilimitado
3.3.1 Por não participar do pacto, o soberano não tem nenhuma obrigação ou compromisso para com ele
3.3.2 Além disso, o soberano concentra em si toda a força à qual renunciaram todos os homens.
3.3.3 Mas o soberano, como pessoa artificial, não deverá manifestar as mesmas falhas dos homens naturais
3.3.4 Por isso o soberano deverá actar às leis da natureza: este é o seu limite
3.3.5 Função do soberano: é fazer valerem as leis da natureza: garantir a paz e a segurança dos súditos
3.3.6 A obrigação dos súditos: rua enquanto o soberano cumprir a sua obrigação
3.3.7 Leviatã é um monstro mortal: morre se não realizar a sua missão: segurança dos súditos e as liberdades privadas que justificam a sua criação e que serão expressas na lei civil.
3.4 A liberdade dos súditos é resguardada em tudo o que não se refere ao pacto e em tudo aquilo que a lei não se pronuncia
3.4.1 O pacto institui o soberano: é isto que garante condição de paz e segurança para o exercício da liberdade na esfera privada.
3.5 Igualdade: natureza faz homens iguais nas faculdades do corpo e da mente: igualdade factual e natural
3.5.1 Igualdade política: igualdade de forma perante a lei
3.6 Estado de Natureza: todos têm direito a tudo: não há como definir pretensões justas ou injustas
3.6.1 Não há qualquer critério da natureza para estabelecer a propriedade: não há lei sem autoridade que estabelece o que é que pertence a cada um; então não pode existir justiça
3.6.2 Justiça: significa dar a cada um o que lhe pertence: baseada na idéia de propriedade
3.6.3 Se a propriedade não existe no estado de natureza, tampouco pode-se esperar que exista justiça
3.6.4 Justiça e propriedade: só podem existir na socieade política
3.6.5 É o soberano que atibui a cada homem uma parcela conforme o que ele próprio considera compatível com a equidade e o bem comum
3.6.6 Propriedade: é um conjunto de direitos artificiais sobre algo, impedindo o seu desfrute não autorizado por parte de outros—mas sem impedir que o soberano o faça.

4. Estado: soberania ilimitada e indivisível: soberano controla tudo

4.1 Três formas de governo soberano: modelo clássico
4.1.2 Monarquia, aristocracia e democracia
4.1.3 Hobbes: prefere monarquia, mas não está preocupado com a forma de governo e sim com a soberania plena

5. Conceito de representação política: pelo pacto, cada indivíduo reconhece-se como sendo o autor legítimo de todos os atos do soberano, que passa a ser o ator—o que age em nome dos súditos

5.1 Representação autoritativa: mandato independente—uma vez autorizado, o ator é livre para decidir em nome dos interesses do autor
5.1.1 Soberano: representa todos os súditos no que diz respeito à paz e à segurança coletiva
5.1.2 Todos submetem suas decisões à decisão do soberano porque não há oposição entre súditos e soberano.

6. Concepção individualista da sociedade e da política: a instituição do soberano deixa intacta a individualidade dos contratantes

6.1 Não há noção de totalidade: povo, vontade geral, etc
6.1.1 Cada homem é uma unidade no momento anterior ao pacto, no momento dos pactos e posterior ao pacto

7. Não existe direito à rebelião

7.1 Fora do Estado a vida não é possível
7.2 Não há distinção entre Estado (soberano) e governo: típico do pensamento absolutista

8. Relações Internacionais

8.1 Estados soberanos vivem em contínua vigíla de armas: perpétudo estado de guerra
8.1.1 Cada Estado é livre para buscar o que for mais favorável ao seu próprio interesse
8.2 Não existe direito positivo acima do Estado
8.2.1 A única coisa que os contêm é o cálculo racional e o temor da destruição recíproca
8.2.2 Contradição: aparentemente o Estado soberano não está tão sujeito quanto os homens às paixões humanas
8.3 Soberano: comanda exércitos, controla comércio externo, celebra acordos e contratos ocm outros Estados.

9. Método de Hobbes

9.1 Resolutivo-compositivo
9.1.2 Reduz a realidade às suas partes mínimos para depois recompô-las em um “todo” significativo
9.2 Lógica racional-dedutiva
9.2.1 Rejeita a história e a exemplificação
9.2.2 Seu estado de natureza não tem base empírica: é o exercício contrafactual: sendo os homens o que são, como seria a vida coletiva se não houvesse Estado?
9.3 Trabalha com antinomias: estado de natureza vs sociedade política; razão vs paixão (desejos e aversões)
9.3.1 Antinomias: não permitem trânsito natural: criação da pessoa artificial é que torna a ordem positiva.
9.4 Rejeita a história
9.4.1 Não tem base empírica

II. Leviathan

1.Introdução

Em sua obra “Leviathan”, Thomas Hobbes reflete sobre a impossibilidade do retorno dos homens ao estado de natureza, quando, entre outras coisas, afirma que os homens foram feitos iguais. Argumenta que sua natureza leva à discórdia (competição, desnconfiança e desejo de glória). Sem um poder comum, os homens estarão sempre nesse estado de naturza, ou seja, em constante estado de guerra uns contra os outros, havendo, assim, a necessidade de um poder comum que os ordene, pois não existe um equilíbrio entre atritos e a estabilidade—sempre que não houver a paz, necessariamente se travará a guerra.

Nessa guerra de todos contra todos, nada pode ser injusto. Não existe distinção entre bem e mal, justiça e injustiça. Onde não há bem comum, não há lei, e onde esta não existe, certamente não haverá justiça. No estado de guerra, força e fraude são consideradas virtudes.

É de fundamental importância, também, destacar-se que nesse estado não há definição de propriedade. Consequentemente, será de cada um o que seus próprios esforços conceder adquirir e só clamará direitos sobre isso enquanto puder mantê-lo.

O medo constante leva os homens a entrar em guerra. Por isso, é também em virtude do desejo de confronto e esperançca de uma boa vida através do trabalho, o homem tende à paz. Assim, surgiram as leis, as normas estabelecida para chegar-se a esse fim. Os homens renunciam aos seus direitos em troca de estabiliade e boas condições de vida e, uma vez feita essa troca, em forma de pacto, encontram-se diante da impossibilidade e voltar ao estado em que primeiramente se encontravam. Em uma sociedade, não se disporá a renunciar a todas as suas regalias e voltar a um estado primitivo de vida repleto de inseguranças.

2. Concepção do homem

Sob a visão de Thomas Hobbes, o homem é uma máquina natural submetida a estrito encadeamenteoo de causas e efeitos, o qual envolve apetites e aversões. Seus desejos têm objetos distintos, variam de intensidade, e são sujeitos a mudanças (podem perder sua importância).

Nesse contexto, subjetivizam-se os conceitos de bem e mal, afirmando-se ser o bem o que satisfaz os apetites de glória, dinheiro e poder, e o mal, o que conteria os apetites e geraria aversões.

Faz parte da natureza humana agir deliberadamente, visar sempre a satisfação de seus desejos, e a ganância. Devido à possibilidade de variaçã na intensidade dos seus desejos, uns almeja porções maiores que os outros, o que não interfere no propósito comum a todos: a busca do poder.

3. Visão no Estado de Natureza

Estado de natureza é a condição em que se encontram os homens fora de uma comunidade política (ou sociedade), em que os homens disputam todas as coisas por direito natural e absoluto.

Nesse estado, possuem o chamado direitos de natureza, o qual consiste na liberdade dos homens de unirem-se a fim de preservar suas vidas e, consequentemente, fazer tudo a quilo que seu julgamento e razão mostram adequar-se a isso. Em outras palavras, é o direito à sobrevivência.

Assim, o homem deve esforçar-se para que exista a paz e que esta seja mantida, mas, no entanto, não deve renunciar aos seus direitos em favor dos outros—deve garantir a sua própria existência acima de qualquer princípio. Se o estado de harmonia em que se encontrar for violado, é digno de recorrer ao livre uso da força se não para aumentar seu poder, para impedir que ele seja controlado.

Uma consequência do que foi acima descrito é a dificuldade do homem em gerar riquezas: ocupa-se primordialmente em atacar os outros ou proteger-se contra ataques alheios.

Na concepção de Thomas Hobbes, estado de natureza é sinônimo de estado de guerra.

4. Características do pacto

A fim de estabelecerem-se a paz e a segurança Thomas Hobbes diz que os homens devem, absoluta e simultaneamente, renunciar ao direito de natureza (uso individual e privado da força) e transferi-lo a alguém externo ao pacto. Destaca-se, porém, que esse “alguém” não poderia ser um ser humano, já que todos desta espécie são vinculados ao pacto. O meio encontrado para concentrar esse pode central foi o estabelecimento do Estado político, cujos interesses são defendido pelo soberano. É considerado um ser artificial, de categoria divina. Ele não age de acordo com sua vontade; sua autoridade foi consentida pelos membros de seu governo. Portanto, todos os seus atos constituem, necessariamente, os desejos da coletividade. Como consequência, tem-se que constestar a ele seria o mesmo que se opor a si mesmo.

5. Bases do poder absoluto

Por ser externo ao pacto, o soberano possui poder ilimitado e não contrai, portanto, obrigações. Concentra todas as forças a que renunciaram os homens. Sua função é fazer valerem as leis da natureza. Mediante isso, podem-ser destacar os direitos do soberano:

# 1: feito um pacto, qualquer fato ou contrato anterior que o contrarie deve ser suprimido;
# 2: nenhum súdito pode libertar-se da sujeiçào ao sobrano—o soberano representará a vontade geral do início ao fim e renunciar a ele seria uma contradição;
# 3: se a maoiria, por voto de consentimento, escolher um soberano, os que tiverem discordado devem passar a consentir juntamente com os restantes;
# 4: nada que o soberano faça pode ser considerado injúria contra qualquer um de seus súditos;
# 5: aquele que detém o poder do soberano não pode ser punido por seus súditos;
# 6: compete à soberania ser juiz de quais as opiniões e doutrinas que são contrárias à paz, e quais as que lhe são propícias;
# 7: pertence à soberania do poder de prescrever as regras de propriedade; a autoridade judicial; direito de fazer guerra e paz com outras naçõesa e Estados; escolher os conselheiros, ministros, magsitrados e funcionários, tanto na paz como na guerra; e direito de recompensar com riquezas e honras, e o de punir com casstigo corporais ou pecuniários, ou com a ignomínia, a qualquer súdito, de acordo com a lei que previamente estabeleceu.

6. Liberdades dos súditos

As liberdades dos súditos abrangem somento o que não se refere ao pacto e ao que a lei não se pronuncia. É o princípio do direito privado: tudo que não é proibido é permitido.

Mais especificamente, constituem liberdades dos súditos:

  • submeterem-se ao soberano (visando o bem comum);
  • não se matar, ferir ou mutilar quando pleo soberano ordenado
  • não confessar crime que não tenha cometido;
  • não se matar a si ou a outrém por causa de suas próprias palavras
  • defender seus direitos face ao soberano em questões de posse de terras ou bens como se fosse contra outros súdito e perante os juízes que o soberano houver designado;
  • aceitar ser prisioneiro de guerra se sua vida e sua liberdade corpórea lhe forem oferecidas.

Thomas Hobbes diz que é importante observar-se, neste ponto, que se um monarca renunciar à soberania, tanto para si mesmo como para seus herdeiros, os súditos voltam à absoluta liberdade de natureza.

Diante dos pontos já relatados e analisados, chega-se à conclusão da infinidade de vantagens (em relação às desvantages) da vida em sociedade. Renunciar à essa convivêncai pacífica com os outros seres seria como renunciar à liberdade e segurança e voltar a um mundo primitivo em que o nascer de um novo dia constitui sempre um novo desafio.

III.Bibliografia

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, Forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo, 1984. 419 páginas. Editora Abril Cultural. Coleção Os Pensadores.

Do Contrato Social

Jean - Jacques Rousseau

Livro Terceiro

Capitulo IV

Da democracia.

Quem faz a lei sabe melhor que ninguém como deve ser ela executada e interpretada. Parece, pois, que não se poderia ter melhor constituição que essa em que o poder executivo está unido ao legislativo; mas é justamente isso que torna esse governo sob certos aspectos insuficiente, uma vez que as coisas que deveriam ser diferenciadas não o são, e o príncipe e o soberano, sendo a mesma pessoa, não formam, por assim dizer, senão um governo sem governo.

Não é conveniente que quem redija as leis as execute, nem que o corpo do povo desvie a atenção dos alvos gerais para concentrá-la nos objetos particulares. Nada é mais perigoso que a influência dos interesses privados nos negócios públicos; e o abuso das leis por parte do governo constitui um mal menor que a corrupção por parte do legislador, continuação infalível dos alvos particulares. Então, alterado o Estado em sua substância, toda reforma se torna impossível. Um povo que jamais abusaria do governo, também jamais abusaria da independência; um povo que sempre governasse bem, não teria necessidade de ser governado.

Rigorosamente falando, nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existirá. Contraria a ordem natural o grande número governar, e ser o pequeno governado. É impossível admitir esteja o povo incessantemente reunido para cuidar dos negócios públicos; e é fácil de ver que não poderia ele estabelecer comissões para isso, sem mudar a forma da administração.

Creio, com efeito, poder assentar em princípio que, quando as funções governamentais são partilhadas entre diversos tribunais, os menos numerosos adquirem cedo ou tarde a maior autoridade, se por outro

motivo não fosse, pela facilidade com que expedem os negócios, ali levados naturalmente.

Ademais, que de coisas difíceis de reunir não supõe tal governo? Primeiramente, um Estado bastante pequeno, em que seja fácil congregar o povo, e onde cada cidadão possa facilmente conhecer todos os

outros; em segundo lugar, uma grande simplicidade de costumes, que antecipe a multidão de negócios e as discussões espinhosas; em seguida, bastante igualdade nas classes e nas riquezas, sem o que a igualdade não poderia subsistir muito tempo nos direitos e na autoridade; enfim, pouco ou nenhum luxo; porque ou o luxo é o efeito das riquezas, ou as torna necessárias, já que corrompe ao mesmo tempo ricos e pobres, uns pela posse, outros pela cobiça, vende a pátria à lassidão e à vaidade, e afasta do Estado todos os cidadãos, submetendo-os uns aos outros, e todos à opinião.

Eis por que um célebre autor “Montesquieu” afirmou que a virtude é o princípio da República, pois todas essas condições não subsistiriam sem a virtude; mas, à falta de haver feito as distinções necessárias, faltou por vezes a este belo talento precisão, e inclusive clareza, pois não viu que, sendo a autoridade soberana em toda parte a mesma, o mesmo princípio deve nortear qualquer Estado bem constituído, mais ou menos, é certo, de acordo com a forma de governo.

Acrescentemos que não há governo tão sujeito às guerras civis e às agitações intestinas como o democrático ou popular, pois que não há nenhum outro que tenda tão freqüente e continuamente a mudar de forma, nem que demande mais vigilância e coragem para se manter na sua. É sobretudo nessa constituição de governo que o cidadão se deve armar de força e constância, e dizer em cada dia de sua vida, no fundo do coração, o que dizia um virtuoso palatino na dieta da Polônia: Prefiro a liberdade perigosa à tranqüila servidão. Se houvesse um povo de deuses, ele se governaria democraticamente. Tão perfeito governo não convém aos homens.

Livro Terceiro

Capitulo V

Da aristocracia.

Temos aqui duas pessoas morais distintas, a saber, o governo e o soberano, e, por conseguinte, duas vontades gerais: uma, concernente a todos os cidadãos; outra, apenas aos membros da administração. Assim sendo, embora possa o governo regulamentar sua polícia interior como bem lhe aprouver, só poderá falar ao povo em nome do soberano, isto é, em nome do próprio povo, coisa que jamais se deve esquecer.

As primeiras sociedades governaram-se aristocraticamente. Os chefes de família deliberavam entre si sobre os negócios públicos. Os jovens cediam sem dificuldade perante a autoridade da experiência. Daí os nomes de padres, anciãos, senado, gerontes. Os selvagens da América setentrional ainda assim se governam em nossos dias, e são muito bem governados.

Mas, à medida que a desigualdade de instituição sobrepujou a desigualdade natural, a riqueza ou o poder foi preferido à idade, e a aristocracia passa a ser eletiva. Finalmente, o poder, transmitido juntamente com os bens dos pais aos filhos, enobrecendo as famílias, torna o governo hereditário, e viram-se então senadores de apenas vinte anos.

Há, pois, três espécies de aristocracia: natural, eletiva e hereditária. A primeira não convém senão a povos simples; a terceira é o pior de todos os governos; a segunda é a melhor: é a aristocracia propriamente dita.

Afora a vantagem da distinção dos dois poderes, possui a da escolha de seus membros; porque, no governo popular, todos os cidadãos nascem magistrados, mas este os limita a um pequeno número, o qual é escolhido através de eleição, meio pelo qual a probidade, as luzes, a experiência, e todas as demais razões preferenciais e de estima pública, constituem outras tantas novas garantias de que seremos sabiamente governados.

Além disso, as assembléias se fazem mais comodamente, os negócios são melhor discutidos, o expediente é executado com maior ordem e diligência; o crédito do Estado é melhor garantido no estrangeiro por veneráveis senadores que por uma multidão desconhecida e menosprezada.

Numa palavra, a ordem mais justa e natural é a em que os mais sábios governem a multidão, quando estamos seguros de que a governarão em benefício dela, e não em benefício próprio. Não é de nenhum modo necessário multiplicar em vão as alçadas, nem fazer com vinte mil homens o que cem homens escolhidos fazem ainda melhor. Deve-se, porém, assinalar que o interesse do corpo começa aqui a dirigir com menos eficiência a força do público no que tange à vontade geral, e que outro declive inevitável subtrai às leis uma parte do poder executivo.

A respeito das conveniências particulares, não convém nem um Estado tão pequeno, nem um povo tão simples e reto, que a execução das leis resulte imediatamente da vontade pública, como numa boa democracia. Também não convém uma tão grande nação em que os chefes esparsos para governá-la possam decidir à revelia do soberano, em seus respectivos departamentos, e começar por se tornarem independentes e virem a ser, em seguida, os senhores.

Contudo, se exige a aristocracia menos virtudes que o governo popular, requer, em troca, outras que lhe são próprias, tais como a moderação por parte dos ricos, e o contentamento por parte dos pobres; porque, parece, uma rigorosa igualdade estaria aí deslocada: nem mesmo Esparta a observou.

De resto, se esta forma de governo comporta certa desigualdade de riqueza, isto acontece para que em geral a administração dos negócios públicos seja confiada aos que vem dela cuidar, empregando todo o seu tempo, e não como pretende Aristóteles, por serem os ricos sempre os preferidos. Ao contrário, é conveniente que uma escolha oposta ensine por vezes ao povo que há, no mérito dos homens, razões de preferência mais importantes que a riqueza.

Livro Terceiro

Capitulo VI

Da monarquia.

Até aqui, consideramos o príncipe como uma pessoa moral e coletiva, unida pela força das leis, e depositária no Estado do poder executivo. Temos agora a considerar este poder reunido em mãos de uma pessoa natural, de um homem real, único investido do direito de dele dispor segundo as leis. É o que se chama um monarca ou um rei.

Ao contrário das outras administrações, em que um ser coletivo representa um indivíduo, nesta aqui é um indivíduo que representa um ser coletivo; desse modo, a unidade moral que constitui o príncipe é simultaneamente uma unidade física, na qual todas as faculdades que a lei reuniu na outra, com tantos esforços, se achem naturalmente reunidas. Assim, a vontade do povo, e a vontade do príncipe, e a força pública do Estado, e a força particular do governo, tudo enfim responde ao mesmo móbil; todas as molas da máquina estão na mesma mão, tudo caminha para o mesmo objetivo: não há movimentos adversos que se destruam mutuamente, e não se pode imaginar nenhuma espécie de constituição em que um esforço menor produza uma ação mais considerável. Arquimedes, tranqüilamente sentado na beira da água e fazendo, um grande navio navegar, representa a meu ver um hábil monarca, a dirigir de seu gabinete seus vastos Estados, e a fazer com que tudo se mova dando a impressão de que permanece imóvel.

Mas se governo não há mais rigoroso que este, também outro não há em que a vontade particular seja mais respeitada e mais facilmente domine as outras: tudo caminha para o mesmo objetivo, é verdade, mas esse objetivo não é o da felicidade pública; e a própria força da administração gira sem cessar em prejuízo do Estado.

Os reis desejam ser absolutos, e de longe lhes bradamos que a melhor maneira de o serem consiste em se fazerem amar por seus povos. Esta máxima é muito bela e verdadeira em certo sentido. Infelizmente, sempre rirão disso nas cortes. O poder oriundo do amor dos povos é sem dúvida o maior, mas precário e condicional; os príncipes jamais se contentarão com ele. Os melhores reis desejam ser malvados, quando ores. Por mais que se esforce um orador político em adverti-los de que a força do povo é a sua própria e de que seu maior interesse deve consistir em que o povo seja florescente, numeroso, temível, eles sabem perfeitamente que tal coisa não é verdade. Seu interesse pessoal está, antes de mais nada, em que o povo seja débil, miserável, e jamais lhes possa resistir. Confesso que, imaginando os vassalos sempre inteiramente submissos, me parece que o interesse dos príncipes residiria na existência de um povo poderoso, a fim de que, sendo dele tal poder, o tornasse temido de seus vizinhos; como, porém, tal interesse é secundário e subordinado, e as duas suposições se mostram incompatíveis, é natural que os príncipes dêem sempre preferência à sentença mais imediatamente útil para eles; é o que Samuel, com vigor, apontava aos hebreus, é o que Maquiavel demonstrou com evidência. Fingindo dar lições aos reis, deu-as ele, e grandes, aos povos. O Príncipe de Maquiavel é o livro dos republicanos.

Vimos, através das relações gerais, que a monarquia só é conveniente aos vastos Estados, e o mesmo achará examinando-a em si mesma. Quanto mais numerosa for a administração pública, mais a relação entre o príncipe e os vassalos diminui e se aproxima da igualdade, de sorte que tal relação é uma ou a própria igualdade na democracia. Essa mesma relação aumenta à medida que o governo se contrai, e atinge o seu maximum quando o governo se acha em mãos de uma única pessoa. Passa a haver então uma enorme distância entre o príncipe e o povo, e o Estado carece de ligação. Para formá-la, são necessárias as ordens intermediárias: príncipes, grandes, nobreza, que as devem preencher. Ora, nada do que foi dito convém a um pequeno Estado, pois, antes, o arruínam.

Contudo, se é difícil que um grande Estado seja bem governado, é mais difícil ainda sê-lo por um só homem, e todos sabemos o que sucede quando o rei nomeia substitutos.

Um defeito essencial e inevitável, que sempre porá o governo monárquico abaixo do republicano, está em que, neste, último, a voz pública quase nunca eleva aos primeiros postos homens que não sejam esclarecidos e capazes e não os ocupem com dignidade; ao passo que, nas monarquias os que se elevam são, as mais das vezes, pequenos rixentos, pequenos velhacos, pequeno intrigantes, cujos pequenos engenhos, que permitem, nas cortes, alcançar os grandes postos, só lhes servem para demonstrar ao público o quanto são ineptos, tão logo aí consigam chegar. No tocante a essa escolha, o povo se engana bem menos que o príncipe, de sorte que é quase tão raro encontrar um homem de real mérito no ministério quanto um tolo à testa de um governo republicano. Quando acontece, por um desses felizes acasos, que um desses homens nascidos para governar toma o timão dos negócios, numa monarquia quase arruinada por esses acervos de belos regentes, fica-se surpreso dos recursos por ele encontrados, e tal coisa faz época no país.

Para que um Estado monárquico possa ser bem governado, seria preciso que sua grandeza ou extensão fosse mensurada conforme as faculdades de quem governam. É mais fácil conquistar que administrar. Com uma alavanca adequada pode-se abalar o mundo; mas, para sustentá-lo, são necessários os ombros de Hércules. Por pequena que seja a grandeza de um Estado, o príncipe é sempre demasiado pequeno. Quando, ao contrário, acontece de o Estado ser muito pequeno para o porte de seu chefe, o que, de resto, é muito raro, é ainda assim mal governado, porque o chefe, seguindo sempre a grandeza de seus alvos, esquece os interesses dos povos, e não os faz menos infelizes, pelo abuso do excessivo talento, que um

chefe limitado, por carecer de talento. Seria preciso, por assim dizer, que um reino se expandisse ou se restringisse, em cada reinado, de acordo com a capacidade do príncipe; ao passo que os dotes de um senado, tendo medidas mais fixas, podem impor ao Estado constantes limitações e não prejudicar a administração.

O inconveniente mais sensível do governo de uma única pessoa consiste na falta dessa sucessão contínua, que forma nos dois outros uma ligação ininterrupta. As eleições abrem intervalos perigosos; são tempestuosos; e a menos que os cidadãos sejam de um desinteresse, de uma integridade acima dos méritos desse governo, as disputas e a corrupção se misturam. É difícil que aquele, a quem o Estado foi vendido, não o venda por seu turno, e não se indenize, à custa dos fracos, do dinheiro, que os poderosos lhe extorquiram. Cedo ou tarde, tudo se torna venal sob semelhante administração, e a paz de que se desfruta sob o governo dos reis passa a ser então pior que a desordem dos interregnos.

Que foi feito para prevenir esses males? Fez-se com que, em certas famílias, as coroas se tornassem hereditárias, e estabeleceu-se uma ordem de sucessão que previne qualquer disputa em conseqüência da morte dos reis; isto é, substituindo-se o inconveniente das regências ao das eleições, preferiu-se uma aparência tranqüila a uma administração sábia, e se achou melhor correr o risco de ter por chefes crianças, monstros e imbecis, a ter de questionar sobre a escolha de bons reis. Não se considerou que, expondo-se assim aos riscos da alternativa, colocam-se quase todas as oportunidades contra si mesmo. Tratava-se de uma idéia muito sensata, igual à do jovem Dionísio, a quem o pai, reprovando uma ação vergonhosa, disse: “Dei-te o exemplo disso?” – “Ah! – respondeu o filho – vosso pai não era rei!”

Tudo concorre para privar de justiça e razão um homem elevado ao comando dos outros. Cansa demais, segundo se diz, ensinar os jovens príncipes a reinar, e não me parece que tal educação lhes seja proveitosa. Far-se-ia melhor começar por ensinar-lhes a arte de obedecer. Os maiores reis, já celebrados na História, não foram educados para reinar. É esta uma ciência que tanto menos se possui quanto mais se a aprendeu, e que melhor se adquire obedecendo que dirigindo. “O melhor e mais rápido meio de distinguir o bem do mal está em perguntares a ti mesmo o que quererias sob outro rei que não tu”.

Uma conseqüência dessa falta de coerência é a inconstância do governo real, que, regulando-se, ora por um plano, ora por outro, segundo o caráter do príncipe que reina ou dos que reinam por ele, não pode ter por muito tempo um objetivo fixo nem uma conduta conseqüente, variação que faz o Estado flutuar permanentemente de máxima em máxima, de projeto em projeto, e que não tem lugar nas outras formas de governo em que o príncipe é sempre o mesmo. Vê-se também, em geral, que, se há mais astúcia numa corte, há mais sabedoria num senado, e que as repúblicas perseguem seus objetivos por meios mais constantes e melhor seguidos; isso porque, cada revolução no ministério provoca outra, e a máxima comum a todos os ministros e a quase todos os reis é a de fazer em tudo o contrário de seu predecessor.

Dessa mesma incoerência tira-se ainda a solução dum sofisma muito familiar aos políticos realistas: não apenas a de comparar o governo civil ao governo doméstico, o príncipe ao pai de família, erro já refutado, como ainda a de dar liberalmente a esse magistrado todas as virtudes de que ele necessitaria, e a de sempre supor que o príncipe é de fato o que deveria ser, suposição com a ajuda da qual o governo do rei é evidentemente preferível a qualquer outro, pois que é sem contestação o mais forte, e, para ser também o melhor, só lhe falta uma vontade de corpo mais conforme com a vontade geral.

Mas, se consoante Platão, o rei, por natureza, é um personagem tão raro, quantas vezes concorrem a Natureza e a fortuna para o coroar? E se a educação real corrompe necessariamente os que a recebem, que se deve esperar de uma seqüência de homens distinguidos para reinar? É, portanto, querer iludir-se confundir o governo real com o governo de um bom rei. Para ver o que é esse governo em si mesmo, deve-se considerá-lo sob o mando de príncipes limitados ou perversos, pois como tais chegarão ao trono ou o trono os tornará tais.

Essas dificuldades não escaparam aos nossos autores; mas eles não se embaraçaram nisso. O remédio consiste, disseram eles, em obedecer sem murmurar. Deus, em sua cólera, dá os maus reis, e é preciso suportá-los como castigos do céu. Tal opinião é sem dúvida edificante; mas, parece-me, que calharia melhor no púlpito que num livro de política. Que dizer de um médico que promete milagres, e cuja arte reside apenas em exortar o doente à paciência? Sabe-se perfeitamente que é preciso padecer um mau governo, quando se o tem; a questão consistirá em encontrar um bom.