ESCOLA
ESTADUAL DEPUTADO RENATO AZEREDO
DISCIPLINA
FILOSOFIA
PROFESSOR
RODRIGO SOUZA
1º ano do ensino médio ( EJA )
Atitudes Filosóficas
A
questão da utilidade da filosofia é tão antiga quanto
estrutural. Pensamos que cada geração de professores deve estar preparada para
responder a esta pergunta de modo sério e vigoroso: para que serve a filosofia?
Seja
nos anos 70 do séc. XX, no Ministério da Educação em Brasília, seja no início
do séc. V a.C., na ágora da antiga Atenas, a mesma questão é
retomada obstinadamente, ou seja, a pretensão filosófica ao saber tem que
legitimar sua inserção na cidade, perante os saberes técnicos e utilitários que
predominam na mentalidade operante da construção material da vida comum, assim
como da racionalidade eficaz da vida política e jurídica.
Retomamos
o tema pelo viés socrático: a prática do filosofar vale não só pelo bem em si
que ela significa, mas também pelos resultados que proporciona (República II). A filosofia é útil e sua
utilidade decorre do seu efeito pedagógico e de sua força educadora, necessária
para a humanização do ser humano, necessária para que se possa construir uma
consciência autônoma, um estado de direito, em suma, uma cidade justa.
Não
há nenhuma razão para perpetuarmos a imagem derivada de uma leitura rápida da Metafísica de Aristóteles, segundo a qual o
filósofo seria um indivíduo totalmente desinteressado, que estaria acima das
solicitações do interesse e do desejo humanos. Não devemos e nem precisamos
contrapor filosofia e vida prática interessada. Na verdade, os antigos gregos
nos ensinaram que a racionalidade é simultaneamente prática e teórica; e se a
prática racional é o domínio dos fins, da busca e realização dos valores, não
faz sentido idealizarmos de maneira abstrata e irrealista uma atividade tão
decisivamente humana, como se ela fosse supérflua e inútil, ou seja, como se
ela não tivesse conseqüências para a vida.
Para
decidirmos da suposta inutilidade da filosofia é preciso que se estabeleça o
que entendemos por “útil”. Se pensarmos num plano bastante elementar, do
instrumento mecânico, que é útil exclusivamente pelo resultado imediato que
proporciona (como usar um martelo para pregar um prego, por exemplo), podemos e
devemos, com certeza, reconhecer a inutilidade da filosofia. Ela certamente não
é um instrumento neutro, sem nenhum sentido ou interesse nele mesmo. Mas se
elaborarmos um pouco mais e pensarmos numa perspectiva axiológica, de reflexão
sobre os valores (éticos, estéticos, culturais, entre outros), devemos
reconhecer a profunda utilidade da filosofia. Nessa perspectiva, a utilidade se
transforma em relevância cultural, papel pedagógico, formação humanística,
fator determinante na instauração de valores culturais, elemento construtor da
cidadania etc.
O
pensar filosófico é uma modalidade do desejo (que os gregos chamavam de Éros)
e, enquanto tal, pode e deve ser a expressão de aspirações humanas legítimas,
marcadas por interesses variados, em diversos níveis. Na perspectiva
contemporânea, não podemos mais simplesmente opor afetividade e pensamento
reflexivo, emoção e inteligência; sabemos que o trabalho do pensamento
filosófico se enraíza nas estruturas da afetividade humana e se desenvolve
junto com elas. Nessa medida, exercer o pensamento filosófico de maneira viva e
autêntica é da maior utilidade para os seres humanos. A Filosofia pode
propiciar crescimento pessoal e psíquico, em termos de uma maior capacidade de
auto-compreensão e expressão e, ainda, levar ao desenvolvimento de uma
consciência crítica e autônoma. Enquanto debate racional, ela certamente
proporciona crescimento cívico, respeito pelo outro e pela diferença que
representa.
Com
relação à especificidade do ensino da filosofia,
pensamos, ainda, nas habilidades cognitivas, reflexivas e críticas que ele
desenvolve no indivíduo. Habilidades que, talvez, pudessem ser adquiridas
através de outras disciplinas, mas que, na verdade, devem ser concebidas num
viés propriamente filosófico. O amadurecimento da formação nas universidades
demonstra que há um modo filosófico próprio de conceber essas habilidades. É
preciso estarmos atentos às interfaces, mas também às diferenças que delineiam
a especificidade da Filosofia por oposição tanto à Psicologia como à História,
por exemplo. Nesse sentido, pensamos que é fundamental que se tente construir
as habilidades na convivência com a história dos problemas consagrados pela
tradição como sendo filosóficos. Dentro da perspectiva histórico-cultural
própria da Filosofia ocidental, o filosofar é um modo de viver e um fazer que,
a nosso ver, deve incluir as seguintes atitudes:
Perceber
- A atitude filosófica
implica em saber acolher e detectar questões no plano do vivido, na cultura; é
preciso ser sensível aos acontecimentos, saber discernir diferenças. Trata-se
de uma sensibilidade inteligente (ou de uma inteligência sensível). Não basta
erudição ou acúmulo de conhecimentos, é preciso acuidade de percepção, um
discernimento que se experimenta e que aprende com a experiência. Filosofar
implica sempre numa atitude interpretativa, numa capacidade de leitura, tanto
de textos convencionalmente filosóficos, como de outros “textos” (objetos,
obras de arte, acontecimentos, imagens, eventos e produtos culturais diversos).
O perceber filosófico é um modo de estar no mundo, de se ver e ouvir o outro,
de captar e decifrar signos, um modo que não parte de uma suposição de saber,
mas que é uma aspiração (filo-)
que se orienta por uma exigência de significação (-sophia).
Problematizar
– A filosofia, em
geral, caracteriza-se por sua atitude de questionamento do imediatamente dado,
de desconfiança das aparências e de dúvida a respeito do óbvio. Pensar
filosoficamente significa questionar, confrontar problemas. Ninguém pensa de
graça, nós só pensamos autenticamente se tivermos que enfrentar obstáculos: em
filosofia, o impasse é condição para a passagem.
Refletir
– Mas, em última
análise, não basta pensar; é preciso exercer um pensar que envolva o sujeito,
que volte-se sobre aquele que pensa. Nesse sentido, o pensar filosófico parte
do sujeito, encontra-se com o objeto e volta-se novamente sobre o sujeito; esse
percurso reflexivo, portanto, é próprio de uma tomada de consciência que vem a
posteriori, de um saber crepuscular ou que acontece no depois. Nesse sentido, o
pensar filosófico é especular, é implicação do sujeito no problema a ser
pensado.
Conceituar
- Já desde os antigos,
pensar filosoficamente implica em ser poeta, no sentido grego da
palavra, ou seja, implica em fabricar, produzir, criar palavras e conceitos;
ser capaz de sintetizar a experiência, uma multiplicidade vivida, na direção de
uma unificação conceitual. Essa capacidade sintética significa pensar de modo
criativo, percebendo e produzindo cultura, inteligência e pensamento.
Argumentar
– A capacidade de
argumentar é uma habilidade igualmente essencial: o filósofo tem que ser capaz
de defender uma posição, atacar ou criticar outras, ou seja, é preciso que ele
saiba sustentar com razões a posição que adota; trata-se de justificar
coerentemente o conhecimento que se pretende ter; filosofar implica, sempre, em
dar razões de si mesmo e de suas tomadas de posição, para si e para o outro, é
isso o que lhe confere sua dignidade.
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