quarta-feira, 26 de maio de 2010

Teoria do Conhecimento

CONHECIMENTO: Um tema para muitas discussões

Desde a Antiguidade grega, quase todos os filósofos se preocupavam com o problema do conhecimento. Problema que envolve questões básicas como:

· O que é conhecimento?

· Qual é o fundamento do conhecimento?

· É possível o conhecimento verdadeiro?

Todas essas questões têm sido tratadas por uma disciplina filosófica que costuma ser designada por diversos nomes: teoria do conhecimento, gnosiologia, crítica do conhecimento ou epistemologia. Portanto, utilizaremos à denominação teoria do conhecimento.

Em que consiste, então, a teoria do conhecimento?

“A teoria do conhecimento pode ser definida como a investigação acerca das condições do conhecimento verdadeiro". Neste sentido podemos dizer que existem tantas teorias do conhecimento quantos foram os filósofos que se preocuparam com o problema, pois é impossível constatar uma coincidência total de concepções mesmo entre filósofos que habitualmente são classificados dentro de uma mesma escola ou corrente.

Dentre as principais questões tematizadas na teoria do conhecimento podemos citar: as fontes primeiras de todo conhecimento ou ponto de partida; o processo que faz com que os dados se transformem em juízos ou afirmações acerca de algo; a maneira como é considerada a atividade do sujeito frente ao objeto a ser conhecido; o âmbito do que pode ser conhecido segundo as regras da verdade etc.”LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Teoria do conhecimento.In: MORA DE OLOIVEIRA, Armando et al. Primeira filosofia. Tópicos de filosofia geral, p 175.

Cada teoria do conhecimento constitui, portanto , uma reflexão filosofia como o objetivo de investigar as origens, as possibilidades, os fundamentos , a extensão e o valor do conhecimento.

Foi somente a partir da Idade Moderna que a teoria do conhecimento passou a ser tratada como uma das disciplinas centrais da filosofia. Nesse seu processo de valorização colaboraram, de forma decisiva, as obras do filosofo francês René Descartes (1596-1650), do filosofo inglês John Locke (1632-1704) e do filosofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), conforme veremos adiante.

Sujeito e objeto: elementos do processo de conhecer

O que é, afinal, conhecer ? Vejamos uma primeira noção.

Conforme analisa o filosofo Richard Rorty, na concepção de grande parte dos filósofos , “conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente”!. É a interpretação de que o conhecimento é representação , isto é, uma “imagem” ou “reprodução”,mental da coisa conhecida.

Assim, de acordo com a noção representacionista do conhecimento, quando conhecemos, por exemplo, um pássaro, formamos uma representação, uma “imagem adequada” desse pássaro em nossa mente.

Outra noção importante é a de que, no processo de conhecimento, sempre existiria a relação entre dois elementos básicos:

· Um sujeito conhecedor (nossa consciência, nossa mente) e

· Um objeto conhecido (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos).

Só haveria conhecimento se o sujeito conseguisse apreender o objeto, isto é, conseguisse representa-lo mentalmente.

Dependendo da corrente filosófica , será dada, no processo de conhecimento, maior importância ao sujeito (é o caso do idealismo) ou ao objeto (é o caso do realismo ou materialismo). Vejamos.

Realismo

De acordo com as teorias realistas do conhecimento, as percepções que temos dos objetos são reais, ou seja, correspondem de fato às características presentes nesses objetos, na realidade. Por exemplo: as formas e cores que o sujeito percebe no pássaro são cores e formas que o pássaro realmente tem em si.

No realismo mais ingênuo, isto é menos critico, o conhecimento ocorre por uma apreensão imediata das características dos objetos, isto é, os objetos se mostram como realmente são ao conhecimento que então se estabelece.

Há no entanto, outras formas mais críticas de realismo, que problematizam a relação sujeito-objeto, mas que mantêm a idéia básica de que o objeto é determinante no processo de conhecimento.

Idealismo

Segundo as teorias idealistas do conhecimento, o sujeito predomina em relação ao objeto, isto é, a percepção da realidade é construída pelas nossas ideias, pela nossa consciência. Assim, os objetos seriam “construídos” de acordo com a capacidade de percepção do sujeito.

Consequentemente, o que existiria como realidade seria a representação que o sujeito faz do objeto. Por exemplo: as formas e cores que o sujeito. Por exemplo: as formas e cores que o sujeito percebe no pássaro são apenas idéias ou representações desses atributos; não entra em questão se elas realmente estão no pássaro.

Também no idealismo, há posições mais ou menos radicais em relação à afirmação do sujeito como elemento determinante na relação de conhecimento.

Empirismo: a valorização dos sentidos

A palavra empirismo tem sua origem no grego empiria, que significa “experiência sensorial”.

O empirismo defende que todas as nossas ideias são provenientes de nossas percepções sensoriais (visão, audição, tato, paladar, olfato). Como disse o filosofo empirista inglês John Locke (1632-1704) : “nada vem à mente sem ter passado pelos sentidos”.

Locke afirma também que, ao nascermos, nossa mente é como um papel em branco, desprovida de ideias. De onde provém, então, o vasto conjunto de ideias que existe na mente humana? A isso, Locke responde com uma só palavra: da experiência. E a experiência, segundo Locke, supre nosso conhecimento por meio de duas operações: sensação e reflexão. A sensação leva para a mente as varias e distintas percepções das coisas, sendo, por isso, bastante dependente dos sentidos. Já a reflexão consiste nas operações internas de nossa própria mente que, nesse caso, desenvolve as ideias primeiras fornecidas pelos sentidos. Assim, conclui Locke:

“Afirmo que estas duas, a saber, as coisas materiais externas, como objeto da sensação, e as operações de nossas próprias mentes, como objeto da reflexão, são, a meu ver, os únicos dados originais dos quais as ideias derivam”.

LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano, p.160.

Racionalismo: a confiança na razão

A palavra racionalismo deriva do latim ratio, que significa “razão” . O termo é empregado de muitas maneiras. Aqui, racionalismo está sendo empregado para designar a doutrina que atribui exclusiva confiança na razão humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. Ou, como recomendou o filósofo racionalista Descartes (1596-1650): “nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidencia de nossa razão”.

Os racionalistas afirmam que a experiência sensorial é uma fonte permanente de erros e confusões sobre a complexa realidade do mundo. Somente a razão humana, trabalhando com os princípios lógicos, podem atingir o conhecimento verdadeiro, capaz de ser universalmente aceiro. Para o racionalismo, os princípios lógicos fundamentais seriam inatos, isto é, eles já estão na mente do homem desde o seu nascimento. Daí por que a razão deve ser considerada como a fonte básica do conhecimento.

Apriorismo kantiano: entre a experiência e a razão

Vimos que o empirismo considera a experiência dos sentidos como a base do conhecimento. Já o racionalismo afirma ser a razão humana a verdadeira fonte do conhecimento. Existem também posições filosóficas que buscam um meio – termo para essas visões tão opostas. É o caso do que se denominou apriorismo kantiano. Vejamos.

Kant (1724 – 1804) afirma que todo conhecimento começa com a experiência, mas que a experiência sozinha não nos dá o conhecimento. Ou seja, é preciso um trabalho do sujeito para organizar os dados da experiência. Por isso, ele buscou saber como é o sujeito a priori, isto é, o sujeito antes de qualquer experiência, e conclui que existem no homem certas faculdades ou estruturas (as quais ele denomina formas da sensibilidade e do entendimento) que possibilitam a experiência e determinam o conhecimento.

Para Kant, portanto, a experiência forneceria a matéria do conhecimento (os seres do mundo), enquanto a razão organizaria essa matéria de acordo com suas formas próprias, estruturas existentes a priori no pensamento (daí o nome apriorismo).

Depois de Kant, muitos outros pensadores continuaram debruçando sobre o problema do conhecimento e chegando a posições diversas do apriorismo kantiano. Como em tantos outros campos da filosofia, a questão do conhecimento é assunto que escapa a uma palavra final é definitiva.

Possibilidades do conhecimento

A capacidade de conhecer a verdade

Somos capazes de conhecer a verdade? É possível ao sujeito apreender o objeto? Afinal, quais são as possibilidades do conhecimento humano?

As respostas dadas a essas questões levam ao surgimento de duas correntes básicas e antagônicas na historia da filosofia. Uma é o ceticismo, que diagnostica a impossibilidade de conhecermos a verdade. A outra é o dogmatismo, que define a possibilidade de conhecermos a verdade.

Mas o que queremos dizer por verdade ? Que verdade é essa da qual tratam tantos pensadores? A palavra verdade tem um sentido básico de uma correspondência entre o que se pensa ou se diz e a realidade que se quer conhecer ou expressar. Se eu digo “O pássaro é azul” e o pássaro é realmente azul, então isso é uma verdade, um conhecimento verdadeiro.

No entanto, quando os diversos filósofos que tratam da temática do conhecimento falam em “conhecer a verdade” estão se referindo não só a esse sentido básico, mas também, e principalmente, à idéia de conhecer como o objeto é na sua essência, ou seja a realidade mesma, intrínseca, daquilo que se quer conhecer.

Nesse sentido, eles também usam a expressão o ser das coisas, ou seja, sua realidade essencial. O que se discute aqui é que, por exemplo: o pássaro pode parecer azul a muitas pessoas, mas ser de um verde-azulado para outras, talvez ter outra cor totalmente distinta ou mesmo não ter cor nenhuma. Qual será a cor verdadeira desse pássaro ? Será possível conhecer a verdade?

Vejamos, então, algumas das teses (ou respostas dadas a essa pergunta), das principais correntes do ceticismo e do dogmatismo e , em seguida, uma terceira doutrina, o criticismo, que tenta superar o impasse criado por essas posições antagônicas.

Ceticismo absoluto: tudo ilusório

O ceticismo absoluto consiste em negar de forma total nossa possibilidade de conhecer a verdade. Assim, para o ceticismo absoluto, o homem nada pode afirmar, pois nada pode conhecer com total certeza.

Muitos consideram o filósofo grego Górgias (485-380 a. C) o pai do ceticismo absoluto. Segundo ele “o ser não existe; se existisse não poderíamos conhecê-lo. Se pudéssemos conhecê-lo, não poderíamos comunicá-los aos outros”.

Outros estudiosos apontam o filosofo grego Pirro (365-275 a. C) como o fundador do ceticismo absoluto . Pirro afirmava ser impossível o homem conhecer a verdade devido a duas fontes principais de erro:

· Os sentidos – segundo Pirro , nossos conhecimentos são provenientes dos sentidos (visão, audição, olfato, tato , paladar). Mas estes não são dignos de confiança, pois podem nos induzir ao erro.

· A razão - Para Pirro, as diferentes e contraditórias opiniões manifestadas pelas pessoas sobre os mesmos assuntos revelam os limites de nossa inteligência. Jamais alcançaremos certeza de qualquer coisa.

Os críticos de ceticismo absoluto consideram-no uma doutrina radical, estéril e contraditória. Radical porque nega totalmente a possibilidade de conhecer. Estéril porque não leva a nada.Contraditória porque, ao dizer que nada é verdadeiro, acaba afirmando que pelo menos existe algo de verdadeiro, isto é, o conhecimento de que nada é verdadeiro. Então, aqueles que duvidam plenamente da nossa possibilidade de conhecer, ironiza o filosofo Jacques Maritain “só poderiam filosofar guardando o silêncio absoluto – mesmo no interior de suas almas”

Ceticismo relativo : o domínio do provável

O ceticismo relativo, como o próprio nome diz, consiste em negar apenas parcialmente nossa capacidade de conhecer a verdade, ou seja, apresenta uma posição moderada em relação às possibilidades de conhecimento, comparada ao ceticismo absoluto.

Em doutrinas que manifestam um ceticismo relativo, destacamos as seguintes :

· Subjetivismo – considera o conhecimento uma relação puramente subjetiva e pessoal entre o sujeito e a realidade percebida. O conhecimento limita-se às ideias e representações elaboradas pelo sujeito pensamente, sendo impossível alcançar a objetividade. O subjetivismo nasce com o pensamento do grego Protágoras, sofista do séc. V a. C, que dizia que o homem é a medida de todas as coisas, ou seja , a verdade é uma construção humana, ela não está nas coisas;

· Relativismo – entende que não existem verdades absolutas, mas apenas verdades relativas, que tem uma validade limitada a um certo tempo, a um determinado espaço social, enfim , a um contexto histórico etc.;

· Probabilismo –propões que nosso conhecimento é incapaz de atingir a certeza plena. O que devemos alcançar é uma verdade provável. Essa probabilidade pode ser digna de maior ou menor credibilidade, mas nunca chegará ao nível da certeza completa, da verdade absoluta.

· Pragmatismo- propõe uma concepção dos homens como seres práticos, ativos, e não pensantes seres. Por isso, abandonam a pretensão de alcançar a verdade, entendida como a correspondência entre o pensamente e a realidade. Para o pragmatismo, o conceito de verdade deve ser outro: verdadeiro é aquilo que é útil, que dá certo, que serve aos interesses das pessoas na sua vida prática. Nesse sentido, a verdade não seria correspondência do pensamento com objeto, mas a correspondência do pensamento com o objetivo a ser atingido.

Dogmatismo: a certeza da verdade

Uma doutrina é dogmática quando defende, de forma categórica, a possibilidade de atingirmos a verdade. Dentro do dogmatismo, podemos distinguir duas variantes básicas:

· Dogmatismo ingênuo- predominante no senso comum , confia plenamente nas possibilidades do nosso conhecimento . Não vê problemas na relação sujeito conhecedor e objeto conhecido. Crê que, sem grandes dificuldades, percebemos o mundo tal qual ele é;

· Dogmatismo crítico – defende nossa capacidade de conhecer a verdade mediante um esforço conjugado de nossos sentidos e de nossa inteligência. Confia que, através de um trabalho metódico, racional e cientifico, o ser humano se torna capaz de conhecer a realidade do mundo.

Criticismo: busca de superação do impasse

O criticismo, desenvolvido pela filosofia de Kant no século XVIII, representa uma tentativa de superação do impasse criado pelo ceticismo e o dogmatismo. Tal como o dogmatismo, acredita na possibilidade do conhecimento, mas se pergunta pelas reais condições nas quais seria possível esse conhecimento. Trata-se de uma posição crítica diante da possibilidade de conhecer.

O resultado dessa postura critica desenvolvida por Kant leva a uma distinção entre o que o nosso entendimento pode conhecer e o que não pode.

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