quarta-feira, 26 de maio de 2010

A ciência se inicia com problemas

Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.

O seu objetivo é descobrir uma ordem invisível que transforme os fatos de enigma em conhecimento (...)

Aqui somos forçados a viajar séculos para trás, para que os tempos em que nossos pais, os gregos , começaram a pensar sobre o mundo e a se fazerem as perguntas com que os cientistas lutam até hoje. Porque as perguntas que eles fizeram não admitiam uma resposta única e final. Eram como portas que, uma vez abertas, vão dar numa outra porta, muito maior, é verdade, que por sua vez dá em outra, indefinidamente. E aqui estamos nós abrindo portas com as perguntas que geraram as nossas chaves. Vamos seguir o seu pensamento.

Você já notou que a nossa experiência cotidiana, o que vemos , ouvimos, sentimos, é um fluxo permanente de impressões que não se repete nunca?”Tudo flui, nada permanece. Não se pode entrar duas vezes num mesmo rio”, dizia Heráclito de Éfeso..

A despeito disso - e aqui está algo que é muito curioso, nós somos capazes de falar sobre as coisas, de ser entendidos, de ter conhecimento.

Nunca mais haverá nuvens idênticas àquelas que produziram o temporal de ontem. A despeito disto serei capaz de identificar nuvens como nunca existiram antes e dizer que delas a chuva virá. Também nunca mais terei uma laranjeira como aquela que morreu de velhice. Mas seria capaz de identificar uma outra da mesma qualidade e de prever quanto tempo levará para começar a dar os seus frutos.

Como explicar que o meu discurso sobre as coisas não fique colado às suas aparências ? Parece que, ao falar, eu sou capaz de enunciar verdades escondidas, ausentes do visível, expressivas de uma natureza profunda das coisas. Tanto assim que, quando falo, pretendo que estou dizendo a verde não apenas sobre aquele momento transitório, mas também sobre o passado e o futuro. Laranjas são doces, a água mata a sede, as estrelas giram em torno da Terra, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos: estas não são afirmações sobre o sensório imediato. Elas têm pretensões universais.

Esta foi a grande obsessão da filosofia grega: estabelecer um discurso que falasse sobre a natureza íntima das coisas, que permanece a mesma em meio à multiplicidade de suas manifestações (...)

A leitura da filosofia grega nos introduz , passo a passo , às diferentes fases desta busca, a partir dos filósofos milesianos que achavam que as coisas mantinham sua unidade em meio à multiplicidade porque , lá no fundo, todas se reduziam a um mesmo suco, uma mesma essência. Progressivamente houve uma passagem desta posição, que explica a unidade em termos de substância para uma outra que considera que a questão fundamental são as relações de funções.

RUBEM ALVES.

Filosofia da ciência, p. 40-1.

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