segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Natureza e Cultura 2º ano


INTRODUÇÃO
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Quando falamos em “natureza”, atualmente, pensamos logo na realidade exterior, no meio ambiente em que nascemos e vivemos, e que marcamos tão fortemente com nossa presença, nossas técnicas, esse mundo natural no qual construímos nossas cidades, que cortamos com nossas estradas, e cuja existência acreditamos estar ameaçada, por causa de nossa atitude predatória com relação a ele.
No entanto, a natureza pode ser compreendida de maneira mais ampla, ou seja, como abarcando mais do que esse “lugar” ou essa “exterioridade” que recebemos de presente quando nascemos. É muito importante percebermos que, na verdade, os termos natureza e natural referem-se àquilo que nos é dado (ou imposto), não só externa, mas também internamente, como determinações que nos definem e que não podemos alterar ou que, para serem alteradas exigem muita inventividade ou técnica.
Nessa perspectiva temos pelo menos três âmbitos do que pode ser chamado de natural: 1. A natureza exterior (os recursos naturais, o mundo tal como o encontramos, "lugar" ou "exterioridade");  2. A natureza enquanto as características internas dos seres em geral, aquelas com as quais eles nascem (por pertencerem a uma espécie); seriam aquelas características que, juntas e articuladas, formariam o que se poderia chamar de constituição inata, que incluiria tendências, potencialidades, disposições ou estruturas tais que permitiriam (ou impediriam) o desenvolvimento de certos modos de ser. 2.1. No caso do ser humano, em geral, seu corpo (mortal, sexuado, dotado de alguns sentidos e não de outros) e suas características psíquicas, com suas potencialidades (capacidade de raciocínio, de desenvolver linguagem e de fabricar cultura); 3. Podemos ainda pensar na natureza particular de cada indivíduo (que inclui este ou aquele tamanho, marcas próprias singulares, maior ou menor aptidão para aprender alguma coisa, ser magro ou gordo, ser homem ou mulher, etc.).
Se o âmbito da natureza é fonte de determinações que não dependem de nossa vontade ou escolha, já o âmbito da cultura é, num primeiro sentido, fabricado por nós mesmos, ou seja, a cultura é tanto o processo como o resultado da ação criadora por parte dos seres humanos. Nessa primeira formulação, a cultura inclui tudo o que não é natural, ou seja, tudo o que os diferentes grupos humanos inventam, produzem, fabricam, criam, escolhem e estabelecem para si próprios.
Cultura são as cidades, as indústrias, as técnicas e os produtos das técnicas, os materiais e objetos fabricados; e também as línguas, os códigos, os livros, as leis, os costumes, a memória dos costumes, as regras, as artes, os objetos das artes, as imagens, as convenções, os comportamentos, etc.
Na verdade, a distinção entre natureza e cultura é muito difícil de ser feita, porque, como veremos, muitas dessas "produções" humanas só são possíveis por contarem com certas disposições naturais. Mas é importante pensar sobre essas dimensões da realidade, separadamente e em suas relações, para que possamos formular alguns problemas fundamentais, compreendê-los e, eventualmente, tomar decisões em nossas vidas, individuais e coletivas.
A relação entre as esferas da natureza e da cultura é uma dos temas principais da filosofia ocidental desde os gregos antigos. Tomar consciência de sua diferença e tentar compreender os modos como se relacionam são tarefas que geram uma série de questões e debates, problemas que recebem múltiplas versões e formulações ao longo da história das técnicas, das ciências, das artes e da filosofia.
Algumas coisas nos parecem certas, atualmente: não se trata de se sobrepor a cultura à natureza, como duas camadas justapostas, nem de reduzir ou assimilar uma dimensão à outra, como se a natureza se dissolvesse na cultura, ou como se fosse possível naturalizar totalmente a complexidade do mundo cultural. É preciso compreender cada uma das duas esferas, nelas mesmas e também nas suas relações. É difícil pensá-las separadamente, mas o esforço é instrutivo, ou seja, vale a pena tentar diferenciá-las através da pesquisa, da reflexão e do diálogo; mas, acima de tudo, é preciso vivenciar suas relações como problemas, para sermos capazes de vislumbrar seu alcance e sua importância para nossas vidas.
O que surge dessa experiência reflexiva é a compreensão de que o que parece estar em questão na discussão é nosso interesse em sabermos o que, afinal de contas, é o ser humano! E essa é uma tarefa que não podemos evitar: para vivermos bem (ou melhor), temos que pensar certos problemas, seja no plano instrumental (técnico e operacional), seja no plano comunicativo (moral e político).
Vejamos algumas questões que servirão para nos mostrar a importância vital da reflexão filosófica sobre a relação entre natureza e cultura.

Questões
Ecológicas - Os grupos humanos podem usufruir dos recursos naturais sem pensar nos seus limites? Um fazendeiro pode utilizar a água do rio que passa em sua propriedade, do modo como quiser? A dona de casa pode continuar lavando o passeio com a mangueira de água? De que maneiras, ao usufruirmos dos bens de consumo, estamos contribuindo para o esgotamento dos recursos naturais? De que maneiras a satisfação de nossas demandas conduzem ao aquecimento excessivo do planeta, esse lugar que é nossa residência natural?
Antropológicas - O que distingue o ser humano de outros animais? O que aproxima o ser humano de outros animais? Existe uma natureza (essência) humana? Num ser humano, é possível distinguir o que é natural do que é cultural? Num ser humano, como se relacionam fragilidade e força, precariedade e riqueza?
Culturais - Como explicar a diversidade das línguas e das culturas? Como explicar que os seres humanos, geneticamente os mesmos, se adaptem a circunstâncias naturais tão distintas e adversas, como o deserto e a floresta tropical? Existem culturas inferiores ou superiores, umas às outras?
Pedagógicas - É possível mudar o comportamento de alguém que tem tendências agressivas? Uma criança pode ser obrigada a aprender a jogar futebol? Uma menina tem que, necessariamente, gostar de ser mãe? Um menino que se torna pai deve ser obrigado a sustentar seu filho? A sexualidade é uma orientação natural a ser aceita ou uma escolha?
Éticas - Enquanto determinado por fatores naturais (sexo, cor da pele, força física, altura, etc.) um indivíduo deve ter certas funções sociais previamente estabelecidas? Alguém pode ser valorizado ou desvalorizado por ser indígena, oriental ou negro? Alguém pode ser prejudicado por ter menos força física?
Jurídicas - As leis devem ser aplicadas a todos os indivíduos igualmente, sem levar em conta as diferenças dos ambientes naturais em que vivem? Os indivíduos devem ser julgados sem se levar em conta as particularidades culturais nas quais foram educados?

Atividade 1 - Formule mais questões ou problemas que põem em jogo a relação entre natureza e cultura e classifique-os de acordo com as categorias listadas acima.

OS ANTIGOS
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As primeiras formulações
A concepção antiga de "natureza" (phýsis para os gregos, natura para os latinos) remete à vida como processo e sua manifestação, ao fato de se estar vivo e em permanente transformação, ou seja, ao fato de os seres nascerem, crescerem e morrerem. A noção geral de natureza inclui tanto o processo (de transformação) como o resultado (algo que permanece), sendo que o termo grego enfatiza a dimensão vegetal (uma planta que brota) e o termo latino, a dimensão animal (um homem que nasce). E ainda, podemos falar seja da natureza como o conjunto dos seres, o todo, seja da natureza de um ser em particular, indicando com isso o modo de ser próprio de uma coisa. Resumindo, a natureza pode ser pensada, então, como o todo (o universo) ou a parte (um ser), e sob os aspectos dinâmico (processo) e estático (constituição ou essência).
Num sentido amplo, os gregos antigos não opunham radicalmente natureza e cultura; em geral, incluíam na phýsis tudo o que, hoje, compreendemos como o “universo”, mesmo as cidades, os seres humanos e as coisas que produzem. Mas se formos considerar cada autor ou pensador separadamente, no detalhe, encontraremos uma pluralidade de concepções. Veremos aqui apenas algumas delas.
Os primeiros filósofos são filósofos da natureza (ditos físicos ou fisiólogos), e buscam reconhecer no universo o princípio de todas as coisas, a partir do qual se reconhece uma justiça cósmica, um poder que regule as mudanças e diferenças, na ordem do tempo, conferindo-lhes medida e equilíbrio. Anaximandro de Mileto e Parmênides de Eléia foram dois desses primeiros pesquisadores que pensavam que há uma justiça divina que garante a ordem do cosmo ou da natureza.
Dica - Sobre esses filósofos gregos veja, na Bibliografia, o volume Os pré-socráticos, da coleção Os Pensadores.

Os sofistas
Aos poucos, os filósofos começam a perceber que as leis e costumes humanos são realidades diferente da totalidade natural, passando a opor a lei humana (nómos), a comunidade política, as coisas instituídas ou fabricadas à natureza (phýsis). Só que essa nova modalidade de lei será objeto de permanente conflito. A lei dos homens perante a natureza será, então, a primeira versão daquilo a que hoje nos referimos como a oposição entre natureza e cultura.
O mito de Prometeu é o mito grego que primeiro situa o ser humano como constituído pelo cruzamento entre as dimensões natural e cultural. Conhecemos pelos menos três versões desse relato mítico: uma arcaica, do poeta Hesíodo, outra trágica, do poeta Ésquilo e uma filosófica, do sofista Protágoras de Abdera, transmitida por Platão.
Dica – Veja um resumo do mito de Prometeu e outras ideias relacionadas, nas Orientações Pedagógicas e nos Roteiros de Atividades –Natureza e cultura. Página do Centro de Referência Virtual do Professor.
De modo sintético, de acordo com a versão de Protágoras de Abdera (séc. V a.C.), podemos dizer que o ser humano, tal como é pensado pelo racionalismo dos sofistas, é, por natureza, um ser mortal, sexuado e desprovido de recurso, e que terá que providenciar soluções culturais se quiser sobreviver. Frágil, nu e esquecido dos deuses, sua pobreza (natureza) é sua riqueza (cultura); para enfrentar a finitude e a incompletude, tem que, antes de tudo, tomar consciência de sua precariedade. Segundo essa versão do mito, a humanidade só se institui, de fato, na natureza, mas não naturalmente; quer dizer, o ser humano não se torna "naturalmente" o que é ou o que pode ser; ele só se torna propriamente humano, culturalmente. Ele tem que fabricar seus próprios recursos técnicos e simbólicos, tem que aprender a trabalhar, a amar e a morrer; tem que buscar uma significação para a morte, aprender a direcionar o impulso sexual e a desenvolver o trabalho, as técnicas e a vida política organizada (cultura).
Essa primeira diferenciação entre lei (no sentido amplo dos primeiros filósofos) e natureza propicia, na cultura grega, discussões fundamentais para todos nós, como a diferença ou igualdade entre os seres humanos, a origem da linguagem e a necessidade da educação.

Atividade 2 – Leia as duas passagens do sofista Antifonte (480-411 a.C.?), abaixo, e responda às seguintes questões:
Para ele, o que é natural e o que é cultural no ser humano? Por que a educação é uma necessidade suprema para nós?
"Agimos como bárbaros uns em relação aos outros, enquanto, por natureza, todos, em tudo, nascemos igualmente dispostos para sermos tanto bárbaros, quanto gregos. É o caso de se observar as coisas que, por natureza, são necessárias a todos os homens: a todos são acessíveis pelas mesmas capacidades, e em todas essas coisas nenhum de nós é determinado nem como bárbaro, nem como grego. Pois todos respiramos o ar pela boca e pelas narinas."
Antifonte, Papiro Oxyrhynchus, fragmento DKB44.

"Considero que a primeira das realizações que se dão entre os homens é a educação; pois, se o princípio de uma realização é produzido retamente, é verossímil que, retamente, há de acontecer o fim; pois, quando se introduz a semente na terra, é preciso esperar pelo desabrochar; e quando se planta a nobre educação no corpo novo, desse modo ele vive e floresce durante toda a vida, e nem a chuva, nem a seca o impedem."
Antifonte, citado por Estobeu, fragmento DKB60.

A lei do mais forte
Uma passagem do historiador Tucídides (séc. V a.C.) mostra claramente o alcance político do problema da relação entre natureza e cultura, no diálogo, reconstituído por ele, entre os cidadãos de Atenas e a população da ilha de Melos, que se rebelava contra o imperialismo ateniense.
"Atenienses - Segundo a opinião, acreditamos que os deuses e, sabemos claramente, que os homens, de acordo com a necessidade da natureza, dominam pela força. Não estabelecemos esta lei, nem fomos os primeiros a usá-la, mas a utilizaremos e a deixaremos para a posteridade, para sempre, sabendo que vós e outros fariam o mesmo se pudessem."
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso V, 105.

Leia também este trecho do diálogo Górgias de Platão,
"Górgias - Penso que a própria natureza mostra que a justiça consiste em o melhor ter mais que o pior, e o mais forte mais que o menos forte. É assim em todo lugar, é o que a natureza ensina, em todas as espécies animais, em todas as raças humanas e em todas as cidades. Se o mais forte domina o menos forte e se ele lhe é superior, isso é um sinal de que é justo."
Platão. Górgias 483C-D

Na primeira passagem, vemos a inversão da associação entre natureza e justiça, explorada pelos filósofos da natureza. Os atenienses se apoiam numa suposta força necessária ou lei da natureza para justificar seu poder e sua dominação dos mais fracos. Na segunda, o personagem Cálicles sustenta que a justiça é que o forte domine o fraco; ele pensa que a justiça de acordo com a lei instituída é uma arma dos fracos para se defenderem dos fortes; os fortes devem impor-lhes a lei da natureza.

Atividade 3 – A partir dos textos acima, proponha argumentos a favor ou contra a seguinte ideia: A justiça é a lei do mais forte.

Platão – a natureza inteligível
Nos seus diálogos, Platão (428-347 a.C.) empreende um amplo debate com sofistas e poetas, que eram os educadores de sua época. Na sua obra, todas as questões relativas ao ser humano são pautadas pela oposição entre natureza e cultura: a educação, a melhor constituição para a cidade, a linguagem, as relações entre homens e mulheres, as relações entre gregos e bárbaros, etc., sempre remetendo a uma lei da natureza que traduziria uma justiça cósmica.
No Górgias, ainda, Sócrates se opõe a Cálicles, nos seguintes termos:
"Sócrates - Alguns sábios dizem, Cálicles, que o céu, a terra, os deuses e os homens, formam juntos uma comunidade, que são ligados pela amizade, pelo amor da ordem, o respeito da temperança e o senso da justiça. É por isso, companheiro, que  chamam o todo (do mundo) de "cosmo" ou ordem do mundo, e não desordem ou desregramento. Mas tu, apesar de ser sábio, não me pareces dar muita atenção a esse tipo de coisas; ao contrário, não percebes que a igualdade geométrica tem muito poder, tanto entre os deuses, como entre os homens, mas pensas que cada um deve buscar ter mais do que os outros, e, na verdade, não cuidas da geometria."
Platão, Górgias 507e-508A.

O que Sócrates quer dizer é que, ao estudar a geometria, junto com a cosmologia, descobrimos que existe uma ordenação inteligível no universo, que as atitudes do homem individual devem levar em conta o fato de ele ser parte integrante desse universo maior, que é a natureza física. Vista desse jeito, a geometria serviria para que Cálicles encontrasse uma medida para a ambição desenfreada, na direção da temperança e da justiça.
No diálogo Timeu, escrito por Platão no fim da vida, o personagem principal propõe que um deus artesão produziu a totalidade da natureza, segundo modelos inteligíveis (as ideias ou formas), a partir de um material sem forma. A cosmologia (teoria do universo) platônica apresentada nesse diálogo, de fato, nos leva a pensar que o universo é imperfeito, porque os seres são vistos como imagens de modelos perfeitos, ou seja, não coincidem com eles; mas, por outro lado, fica claro também que esse é o melhor mundo possível, porque a natureza é modelada segundo o máximo de racionalidade que o material utilizado comporta. O universo físico é, portanto, impregnado de racionalidade, determinado por formas que o delimitam e que também indicam suas possibilidades; o cosmo é povoado por seres que nascem, crescem e morrem, recebendo e tendo como parâmetro, mas também perdendo, ao longo de sua existência, as determinações inteligíveis que fazem com que sejam o que são. Nesse universo está incluída a cidade-Estado (pólis), ou seja, os seres humanos e sua cultura, com sua vida e sua morte.
Na República, Sócrates propõe uma educação para os governantes, que começa com música e ginástica, passa pelas matemáticas e culmina com a filosofia ou dialética, ciência que tem como objeto último as formas inteligíveis:
"Sócrates - (...) com relação aos jovens de vinte anos e aos ensinamentos que, na sua educação quando crianças, lhes havíamos apresentado de maneira superficial, será preciso reuni-los de modo a lhes dar uma visão de conjunto do parentesco dos ensinamentos uns com os outros e com a natureza do ser."
PLATÃO. República VII 537C.

"Sócrates - (os dirigentes desenhariam o esquema da constituição da cidade (...) em seguida, creio, para completar sua obra, eles olhariam muitas vezes para um lado e para o outro, seja na direção daquilo que é, por natureza, justo, belo e temperante e tudo mais, seja na direção daquilo que produziriam entre os homens (...)."
PLATÃO. República VI 501B.

Atividade 4 – Leia o seguinte trecho do livro V da República sobre uma questão debatida na época de Platão. Apresente 3 semelhanças e 3 diferenças entre homens e mulheres.
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"Sócrates - Não há, meu amigo, nenhuma ocupação daqueles que administram uma cidade que seja própria de uma mulher, porque ela é mulher, nem de um homem porque ele é um homem; mas as naturezas são igualmente distribuídas entre as duas ordens de seres vivos; a mulher participa de todas as ocupações, e isto conforme a natureza, e o homem também de todas, mesmo que, em todas, a mulher seja mais fraca que o homem."
Platão. República V 455D-E.

Essa posição de Sócrates sugere que Platão está pensando numa natureza humana compreendida como essência inteligível, algo que unifica a compreensão da espécie, mas que mantém a diversidade das determinações biológicas dos sexos. Politicamente, as mulheres devem ser incluídas no processo de formação, para se tornarem guardiãs (com formação militar), filósofas (com formação intelectual), e, eventualmente, governantes. Essa proposta torna possível pensar a diferença na semelhança, ou a multiplicidade (natureza física) na unidade (natureza inteligível).
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Os cínicos - viver segundo a natureza
Finalmente, vejamos rapidamente algumas das propostas dos filósofos chamados "cínicos" que propunham que devemos todos "viver segundo a natureza". Foram filósofos do período chamado helenístico, conhecidos por assumir a filosofia como modo de vida radical; sua marca é a transgressão das regras estabelecidas (culturais) em nome da valorização de uma suposta vida "natural". A própria palavra "cínico" vem do termo grego para "cão", sugerindo que viver com sabedoria é viver como um animal. Desses filósofos chegaram-nos apenas fragmentos de textos ou relatos indiretos de episódios vividos por eles.
Diógenes de Sinope (que morreu por volta de 325 a.C.) pensava que os seres humanos têm sempre à sua disposição os meios fáceis para viver, só que esses estão ocultos; para conhecê-los é preciso seguir as exigências da natureza.

"Interrogado sobre qual seria a coisa mais bela entre os homens disse: a liberdade da palavra". (...) "Costumava fazer qualquer coisa à luz do sol, mesmo o que diz respeito a Demeter e Afrodite" (comer e amar). (...) "Se comer não é estranho, nem mesmo na praça pública é estranho. Não é estranho comer; portanto, também não é estranho comer na praça pública". (...)"Costumava masturbar-se em público e dizia: quem me dera pudesse aplacar a fome, esfregando-me o ventre." Diógenes Laércio VI, 69 (as traduções são de M. G. Kuri e Olimar F. Jr).

"A alguém que pretendia que viver é um mal, ele respondeu: não viver, mas viver mal". DL VI, 55.

"Ele tinha escrito a alguém para lhe encontrar uma pequena casa: como esse demorou a fazê-lo, Diógenes estabeleceu sua residência em um barril, perto do Metroon (...)". DL, VI 23

"Durante uma refeição, alguns jogavam-lhe os ossos como a um cão. Diógenes, retirando-se, urinou sobre eles, como um cão." DL VI,46.

"Certa vez, alguém o introduziu numa casa suntuosa e o proibiu de cuspir. Diógenes então pigarreou profundamente e cuspiu-lhe no rosto, dizendo não ter encontrado um lugar pior." DL VI, 32.

"Alguém perguntou a Diógenes qual era o tempo propício para se casar: "Para um jovem, disse ele, é cedo demais, para um velho, tarde demais." DL VI, 54.

"Segundo afirma Teofrasto no Megárico, foi observando um camundongo correndo de um lado para o outro, sem buscar um lugar de repouso, sem se preocupar com a escuridão, nem desejar nenhum dos reputados prazeres, que Diógenes encontrou uma saída para suas dificuldades. Ele foi o primeiro, segundo alguns, a dobrar o seu manto em dois porque precisava dele também para dormir; arranjou uma sacola, onde punha seu alimento, e se servia de todo lugar para todas as coisas, para comer, dormir e conversar (...)". DL VI, 22.

"Nada, dizia ele, absolutamente nada, pode ser realizado corretamente na vida sem ascese (exercício), que é capaz de tudo vencer. Assim, os homens que deviam escolher, contra os esforços inúteis, os que são conforme à natureza, para viverem com felicidade, sofrem na estupidez. (...) Falava e demonstrava essas coisas fazendo, falsificando realmente a moeda, sem conceder o mesmo valor às coisas segundo a lei, do que àquelas segundo a natureza." DL VI, 71.

Atividade 5 – A partir dos fragmentos dos cínicos, discuta as seguintes questões: basta transgredir a regra social para viver segundo a natureza? É possível sair da cultura para lutar contra ela? O que pode significar, realmente, "viver segundo a natureza?"

OS MODERNOS - NATUREZA X CULTURA

A natureza como valor
Viver segundo a natureza?
No século XVIII, essa mesma questão evoca as reflexões do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Segundo Rousseau, o cultivo da humanidade do homem se dá contra a natureza; paradoxalmente é o próprio fato de que o homem é um animal educável (cultivável) que faz com que ele possa ir contra sua natureza. Ele é crítico dos rumos que a sociedade de sua época e a civilização tomaram: a busca vã das ciências, o luxo das letras e das artes, a dissolução moral, toda uma lista de vícios que são vistos como marcas dos excessos da cultura que distancia o homem de sua natureza original.
É a partir dessa visão crítica que a natureza é pensada como a norma pela qual se julga a sociedade e que deve servir de parâmetro para uma eventual redescoberta da constituição humana; apesar da degeneração cultural, a natureza no ser humano permanece de algum modo, como núcleo a ser recuperado.

"Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízo dos outros, como o serem mais ricos, mais poderosos e homenageados do que estes, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles."
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Introdução, p.235.

"De que se trata, pois, precisamente, neste discurso? De assinalar, no progresso das coisas, o momento em que, sucedendo o direito à violência, submeteu-se a natureza à lei; de explicar por que encadeamento de prodígios o forte pôde resolver-se a servir ao fraco, e o povo a comprar uma tranquilidade imaginária pelo preço de uma felicidade real."
ROUSSEAU. Discurso sobre a origem... Introdução, p.236.

A proposta de Rousseau não é voltar no tempo (cronologicamente) para reencontrar um impossível homem natural puro, mas buscar "reflexivamente" (logicamente) o ser humano tal como ele seria, sem o suposto "progresso" das culturas; a civilização deformou a natureza do homem, distorcendo-a e transformando-o em um ser animalesco. O curioso é que isso aconteceu, segundo o filósofo francês, como que através de uma inversão: é a própria natureza do homem, ou seja, sua capacidade de transformar-se, de aperfeiçoar-se (que Rousseau chama de perfectibilidade) que permite que ele se volte contra a natureza; a civilização faria um uso antinatural da perfectibilidade natural dos homens. Mas, apesar de tudo, sob as alterações que sofreu, no fundo, permanece a natureza humana.
É pela reflexão que poderíamos distinguir o natural do cultural (artificial); Rousseau não propõe um abandono da cultura ou um retorno puro e simples à natureza; ele quer refletir criticamente sobre a sociedade, pensando filosoficamente a passagem de um estado a outro.

Atividade 6 – Leia os seguinte trechos de Rousseau e responda as questões: É possível voltar "de fato" à natureza. Por que a força não tem legitimidade por si só? Por que o mais forte não se torna necessariamente o mestre? Por que o direito exclui a força bruta?
"Enfim, todos, falando incessantemente de necessidade, avidez, opressão, desejo e orgulho, transportaram para o estado de natureza ideias que tinham adquirido em sociedade; falavam do homem selvagem e descreviam o homem civil."
ROUSSEAU. Discurso sobre a origem... Introdução, p.23.
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"O mais forte não é nunca forte o suficiente para ser sempre o mestre, se ele não transformar sua força em direito e a obediência em dever. É daí que vem o direito do mais forte; direito considerado ironicamente na aparência e realmente estabelecido em princípio. Mas será que essa palavra nunca será explicada? A força é uma potência física; não vejo, de modo algum, que moralidade pode resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não de vontade; é, além do mais, um ato de prudência. Em que sentido poderia ser um dever? (...) Ora, que direito é esse que termina quando acaba a força? Se for preciso obedecer pela força, não é preciso obedecer por dever; e se não se é forçado a obedecer, não se tem mais obrigação. Vemos, então, que essa palavra de direito não acrescenta nada à força; não significa nada (...) Convenhamos, então, que a força não faz o direito e que só devemos obedecer às potências legítimas."
ROUSSEAU. Do contrato social. Livro I, cap. III.

A cultura como valor
Para outros pensadores modernos, a grande referência para se pensar o homem é a cultura, não a natureza. Assim, o ser humano seria fundamentalmente um ser sem natureza, um ser aberto e plástico a ser moldado pela cultura. Para muitos, a cultura ou os costumes são pensados em franca oposição à natureza.
Segundo Montaigne (1533-1592), por exemplo, os costumes têm o poder de nos fazer aceitar como naturais ou racionais os atos mais diversos e contraditórios: ele vai do incesto às mutilações ou roupas ridículas (Ensaios I, 23), tudo pode passar a ser considerado como "natural". O costume, reforçado pelo hábito, é a base imprescindível da vida em comunidade; tudo pode ser aprendido, aceito ou modificado e rejeitado.

Atividade 7 – Leio o texto de Montaigne abaixo e responda a questão: Se seguirmos os "costumes" culturalmente adquiridos, tudo será permitido?
"Aqui se vive de carne humana; lá é dever de piedade matar o pai em uma certa idade; alhures os pais determinam, das crianças ainda no ventre das mães, quais eles querem que sejam conservadas e criadas e quais querem que sejam abandonadas e mortas; alhures os maridos velhos emprestam as mulheres aos jovens para que se sirvam delas (...). Além disso, o costume não fez uma república só de mulheres? Não lhes colocou armas nas mãos? (...) em que crianças de sete anos suportavam ser açoitadas até a morte, sem mudar de expressão? (...) Em suma, na minha opinião não há coisa alguma que ele (o costume) não faça ou não possa; e, com razão, Píndaro, pelo que me disseram, chama-o de rei e imperador do mundo (nómos basileus). (...) Na verdade, porque ingerimos o costume com o leite do nosso nascimento (...) parece que nascemos para seguir este procedimento".
MONTAIGNE. Ensaios I, 23.

No século XVIII, a partir da obra do filósofo alemão Kant (1724-1804), a corrente conhecida como o "idealismo alemão", uma filosofia dita "crítica" e "racionalista", começa a operar com a distinção entre "natureza" e "razão" que, de algum modo se sobrepõe à diferenciação entre natureza e cultura. Para essa corrente filosófica, a natureza constitui o âmbito dos fenômenos, ou seja, manifestações ou eventos sensíveis regidos por leis mecânicas. Do ponto de vista da racionalidade prática, ou seja, das razões próprias às ações humanas, o indivíduo que se deixa dominar pela natureza é aquele que fica preso no plano das necessidades, do prazer e da dor físicos, e que, assim, fica sujeito ao que Kant chama de "heteronomia" (a lei do outro, ou seja, quando alguém obedece a algo que não vem propriamente de dentro dele, mas de fora). O indivíduo "autônomo" (que tem sua lei própria) torna-se independente dos instintos; seria aquele cuja vontade segue a razão, segundo leis universais.

Atividade 8 - Leia o texto de Kant e responda a questão: Menoridade, no sentido kantiano, tem a ver com idade?
"É por preguiça e covardia que uma grande parte dos homens, depois que a natureza os libertou da direção alheia, permanece de bom grado durante toda a vida como menor de idade. E são essas mesmas causas que facilitam aos outros se tornarem tutores deles. É tão cômodo ser menor! Se um livro me empresta sua inteligência, se um padre substitui a minha consciência, se um médico julga da minha dieta, etc., não preciso mais preocupar-me por mim mesmo. (...) É, pois, difícil para cada homem em particular conseguir livrar-se desta menoridade tornada quase uma natureza. Ele chega até a amá-la e se sente realmente incapaz de servir-se de sua própria razão, porque nunca lhe deixaram fazer essa tentativa. Os regulamentos e fórmulas, esses instrumentos mecânicos de um uso, ou antes abuso, racional de seus dons naturais são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se desprendesse apenas daria um salto inseguro sobre um pequeno fosso, porque não está acostumado a tais movimentos livres. Por isso, são poucos os que, com o próprio esforço de seu espírito, conseguem sair da menoridade e empreender o caminho seguro."
KANT. O que é esclarecimento. Trad. F. Javier Herrero.

Assim, a cultura é pensada como pertencendo ao âmbito da liberdade e da razão, que deve dominar a natureza; é o reino dos fins, do dever-ser, por oposição à natureza, da superação do que é simplesmente "dado naturalmente". O desenvolvimento da razão seria a realização da finalidade última do ser humano, sendo superior à busca do prazer, que se restringe à natureza e aos instintos. Na verdade, nos pensadores que se seguem a Kant, como Hegel, a cultura é vista como a finalidade última da natureza humana, permitindo que ultrapassemos as necessidades e exigências corpóreas e materiais.
É assim que a "cultura" (racional e com pretensões universais) é proposta como um valor máximo ou uma norma a ser seguida pelos seres humanos. É apenas na medida em que o humano liberta-se do natural que ele consegue conquistar sua humanidade, que é da ordem do cultural-racional.
Essas posições racionalistas marcam de modo decisivo a civilização europeia ocidental com uma dualidade de valores e de atitudes, que nos faz priorizar a dimensão cultural em detrimento de tudo o que é natural.
Só que, ao tentar assimilar a dimensão natural à dimensão cultural e dissolver uma na outra, a cultura pensada enquanto norma passa a ter características naturais: a estabilidade e a fixidez de certas tradições, por exemplo, ou as visões religiosas fundamentalistas. Os costumes e hábitos, em princípio, adquiridos pela educação, ou seja, no âmbito da cultura, ao serem inculcados e fixados, tornam-se uma segunda "natureza", na medida em que adquirem regularidade. A repetição mecânica dos atos, supostamente "livres e racionais", faz com que tendam a perder o sentido, tornado-se forma sem conteúdo. Nessa medida, curiosamente, a cultura se transforma numa natureza fabricada, adquirida, regida por leis mecânicas.
Portanto, na medida em que valorizamos excessivamente a dimensão cultural do ser humano, tornamo-nos cegos à legitimidade das demandas da esfera da natureza; é assim que as normas culturais podem se tornar excessivamente rígidas e inflexíveis, tendendo, paradoxalmente, a uma espécie de "naturalização".
O relativismo cultural
Contemporaneamente, alguns autores valorizam a cultura de outra maneira, ou seja, sem pretensão à universalidade, escapando, assim, dessa naturalização do que é convenção humana. A partir das pesquisas mais recentes das Ciências Humanas, aprendemos a reconhecer a relatividade dos valores e das normas das diferentes culturas; mas o problema dos limites do relativismo permanece. Ao estudar a diversidade cultural dos povos no planeta, a Antropologia Cultural, por exemplo, aprofunda a discussão do relativismo. Os antropólogos tendem a se opor aos filósofos, que tradicionalmente pensavam apenas numa modalidade de "Razão" (com letra maiúscula e no singular). Sob a influência da diversidade cultural, os pensadores, filósofos e antropólogos, passaram a reconhecer a pluralidade das "racionalidades" (com letra minúscula e no plural).

Atividade 9 - Leia o texto abaixo e responda de maneira sintética: o que é cultura?
"Cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais passam. É preciso relacionar a variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. As variações nas formas de família, por exemplo, ou nas maneiras de habitar, de se vestir ou de distribuir os produtos do trabalho não são gratuitas. Fazem sentido para os agrupamentos humanos que as vivem, são resultado de sua história, relacionam-se com as condições materiais de sua existência. Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas." (...)
"O desenvolvimento dos grupos humanos se fez segundo ritmos diversos e modalidades variáveis, não obstante a constatação de certas tendências globais. Isso se aplica, por exemplo, às formas de utilização e transformação dos recursos naturais disponíveis. Não só esses recursos são heterogêneos ao longo das terras habitáveis, como ainda territórios semelhantes foram ocupados de modos diferentes por populações diferentes. Apesar dessa variabilidade são notórias algumas tendências dominantes. Assim, por exemplo, em vários lugares e épocas, grupos humanos inicialmente nômades e dependentes da caça e da coleta para sua sobrevivência passaram a se sedentarizar, isto é, a viver em aldeias e vilas, acompanhando o desenvolvimento da agricultura e domesticação dos animais."
SANTOS, José Luiz. O que é cultura, p.8-11.

Dica - A cultura, assim como a natureza, pode ser pensada tanto como processo (dimensão dinâmica), quanto como resultado (dimensão estática). Veja também as Orientações Pedagógicas e os Roteiros de Atividades – Universalismo e Relativismo. Página do Centro de Referência Virtual do Professor

AFINAL, O QUE SIGNIFICA "SER" HUMANO?escher1.jpg
Precisamos, então, de uma perspectiva intermediária, que nos permita articular natureza e cultura de modo equilibrado. A cultura pode ser pensada como uma esfera que prolonga a natureza e que efetivamente realiza suas potencialidades. Precisamos ir além da oposição estrita, explorando a ambiguidade existente entre esses dois polos tidos como opostos; ou seja, podemos perceber alguns elementos que nos levem à superação da oposição rígida entre natureza e cultura: na medida em que a cultura é pensada como horizonte no qual a natureza se desdobra e se realiza plenamente.
A própria noção de técnica, por exemplo, contém essa ambiguidade, podendo tender para um extremo ou outro, ou, então, nos apontando a complementaridade das duas esferas. O objeto técnico é fabricado pelo homem, sendo, portanto, um objeto cultural, mas que exige que pressuponhamos sempre alguma compreensão do funcionamento da natureza.
Dica - O termo grego para técnica, tékhne, é traduzido pelos latinos como arte, ars. Esse dado linguístico inicial já aponta para uma relação diferente entre natureza e cultura; podemos pensar no uso técnico da natureza, através da mediação do artístico, ou seja, partindo da ordenação (kósmos) imanente à natureza e tendo em vista a beleza do objeto fabricado, para além de sua mera função.
A especificidade do ser humano não seria, então, a imposição de uma racionalidade sobre a natureza, mas a articulação engenhosa entre o natural e o fabricado. O ser humano é duplamente irredutível, a uma ou outra ordem, pois ele é cultural na natureza e natural na cultura; ela deve então, tentar escapar de quaisquer determinações fixas e definitivas.

O que a biologia nos faz pensar
A filosofia contemporânea, enquanto instância reflexiva que acolhe as diversas modalidades de saber, tem que assimilar a profusão de conhecimentos científicos produzidos e pensá-los criticamente, mas também construtivamente. A filosofia se renova, na medida em que enfrenta os inúmeros desafios que os avanços científicos levantam. Além da Antropologia Cultural, destacamos aqui a Biologia e, nessa, em particular, os desdobramentos recentes da Teoria da Evolução, que têm muito a nos ensinar sobre as relações entre natureza e cultura.
É importante fazermos, inicialmente, algumas reflexões sobre a noção de "evolução", para afastarmos um preconceito cultural que acaba por pretender impor à natureza uma suposta superioridade do humano, ou, novamente, uma valorização da cultura em detrimento da natureza.
A evolução não é um movimento inerente à natureza que conduziria necessariamente rumo a um progresso, no sentido de ir do pior para o melhor. O próprio Charles Darwin (1809-1882) adverte quanto ao uso metafórico do termo "evolução" (ele fala em "descendência com modificação" e evita usar os termos "superior" e "inferior"). Trata-se então de um processo, lento e permanente, de transformação das espécies, em interação com o ambiente natural e, no caso dos humanos, com o ambiente cultural que lhes é inerente. É preciso despojar o termo da conotação valorativa forte, para pensarmos, antes, no desenvolvimento das espécies na direção de uma maior diversidade. Contra a ideia de que a evolução das espécies se dá como uma "escada" que conduz a organismos de algum modo "melhores" – maiores, mais rápidos, mais inteligentes ou mesmo mais complexos. Se persistirmos nessa direção, no fim das contas, recairemos numa valorização excessiva da espécie humana, que passaria a ser vista como o coroamento do progresso biológico. Uma vez que a vida começa sempre de um ponto de partida mais simples, a diversidade resultante é frequentemente vista como uma complexidade maior e supostamente melhor. Mas a vida pode perfeitamente adaptar na direção de uma simplificação, como ocorre, por exemplo, entre as parasitas. A complexificação crescente é apenas um aspecto da transformação das espécies. A "distribuição" da complexidade é relativa ou limitada, dependendo das espécies em questão. Nesse sentido, vale lembrar a curiosa ideia da "reprodução imperfeita", segundo a qual os filhos não podem ser nem exatamente iguais, nem totalmente diferente dos pais, mas devem ser semelhantes, para que existam variações e que para que possa haver seleção.
Dica - Sobre a oposição entre "superioridade" e "diversidade", no contexto da teoria da evolução, veja algumas das ideias de Stephen Gould na página de internet: http://pt.wikipedia.org/wiki/Stephen_Jay_Gould .
A evolução não é só biológica, ela conta com transformações e adaptações culturais; as mudanças da espécie humana sempre aconteceram dentro de uma cultura, ou seja, os fatores naturais agem sempre em interação com circunstâncias e determinações culturais dadas. O que deve ficar claro é o quanto o cultural se enraíza no biológico e, inversamente, o quanto o biológico depende das transformações culturais. De um modo geral, devemos falar em "complementaridade" entre a aquisição de aptidões biológicas e a própria existência da cultura. Dados biológicos "evolutivos" e desenvolvimentos culturais se entrelaçam de um modo tal que não poderiam ser explicados separadamente.

Atividade 10 - Diversas características da espécie humana indicam uma complexidade simultaneamente natural e cultural. Pesquise na internet alguns dos tópicos abaixo e tente compreender sua relação com a noção de "cultura", própria dos humanos: o desenvolvimento da camada do cérebro chamada "neo-cortex", o ritmo de crescimento do cérebro, o prolongamento da "imaturidade biológica", a noção de "neotenia", as características do maxilar inferior humano, o bipedismo, "a pinça".
Nessa perspectiva de uma relação de dependência mútua, mas relativa, entre natureza e cultura, os estudiosos atuais recorrem a alguns dos seguintes conceitos, para tentar explicar os fenômenos: sobrevivência e estratégias de sobrevivência, luta e seleção natural, variabilidade (que pode aumentar ou diminuir a probabilidade de sobrevivência), adaptação (funcional), papel do ambiente e do modo de vida efetivo de cada espécie, controle de movimentos e da relação com o ambiente, hereditariedade genética, transmissão (cultural) de caracteres adquiridos, capacidade de aprendizado e modificação do comportamento em função dessa experiência, aquisição de novos padrões de comportamento, etc.
O que se pensa hoje é que os padrões comportamentais são determinados tanto pela herança genética, como pela interação com o ambiente. Como sabemos, os comportamentos adquiridos culturalmente não são transmitidos geneticamente, mas podem tornar os indivíduos mais capazes de lidar com a competição pela sobrevivência, de aprender e inventar soluções vantajosas do ponto de vista da sobrevivência. E vice-versa: a prevalência de certas características genéticas pode favorecer estratégias culturais de sobrevivência.
O conceito mais abrangente, para o nosso problema, seria então o de uma "co-evolução genético-cultural", ou seja, a ideia de que é no contexto das interações e transformações culturais que ocorre o favorecimento (ou não) de transformações que são mais (ou menos) propícias à sobrevivência e reprodução dos indivíduos de uma espécie. De um modo geral, a transmissão genética fornece um conjunto de potencialidades (padrões) que precisam ser culturalmente realizadas (por indivíduos e grupos), efetivadas, para que o processo de transformação (evolução) seja bem-sucedido.
Dica - Para uma compreensão aprofundada, veja, por exemplo, os textos de Marcos Oliveira e Edgar Morin, indicados na bibliografia.
Vejamos algumas desses elementos que nos convidam a pensar a evolução biológica da espécie humana, como estando intimamente interligada ao seu desenvolvimento cultural:
  • Um dos dados biológicos decisivos e mais interessantes para a nossa questão é o fato de o período da infância humana ser biologicamente longo. Essa ideia se insere no contexto maior da noção de "neotenia", segundo a qual existe um relativo inacabamento biológico do indivíduo humano adulto. Nossa configuração biológica pode (e deve) ser pensada como compatível com nossa necessidade de cuidado e educação (cultura). Ou seja, de um modo geral, podemos dizer que o cérebro humano seria impotente se fosse abandonado à sua efetividade natural; para realizar-se enquanto sistema biológico, ele exige educação, formação, instrução, inclusive para continuar se transformando (ou "evoluindo").
  • Outra ideia relacionada é a maturação sexual tardia entre os humanos: os indivíduos só estão sexualmente preparados (para a reprodução) depois de muitos anos de crescimento; esse fato biológico reforça a necessidade da preparação ou da educação (cultural) para a reprodução "natural"; podemos mesmo pensar na importância do processo chamado de "sublimação" como fundamental para a implementação da dimensão cultural no ser humano. A canalização da energia sexual para fins outros que a reprodução é uma condição para a realização de ações culturais, como o trabalho e a técnica. Nesse sentido, o enfraquecimento da "mobilização instintiva" (agir principalmente por instinto) está relacionado com a redução de comportamentos estereotipados, permitindo assim uma maior abertura para o ambiente, uma maior plasticidade nas reações aos acontecimentos, em termos de comportamentos e iniciativas técnicas, maior disponibilidade para o imprevisto, maior capacidade de reflexão e criatividade.
  • A própria fragilidade e nudez do corpo humano parecem "sugerir" a necessidade de desenvolvimento de técnicas de proteção e de vestimenta, complementos culturais decisivos para a "arquitetura" natural dos corpos de homens e mulheres. Essa vulnerabilidade física parece contar com a necessidade de um meio social organizado, protetor e viabilizador de projetos humanos fabricadores.
  • O maxilar humano é pequeno e frágil, "supondo" o cozimento dos alimentos e a facilitação da aquisição e uso da linguagem!
  • A oposição entre o polegar e os outros dedos ("pinça") se relaciona claramente com a utilização de instrumentos.
  • O próprio fato de o sistema gastro-intestinal ser biologicamente compatível com o cozimento de alimentos é um indicador claro da complexidade da relação entre o natural e o cultural.

Atividade 11 - Leia o texto abaixo, do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty e discuta as seguintes posições:
A expressão das emoções humanas não é mais natural que o uso da linguagem.  
No ser humano, não há duas camadas separáveis, natureza e cultura.
O que você pensa? Desenvolva argumentos contra ou a favor e dê exemplos de suas próprias posições.

"Não é mais natural ou menos convencional gritar quando se tem raiva ou beijar quando se sente amor do que chamar uma mesa de "mesa". Os sentimentos e as condutas passionais são tão inventadas quanto as palavras. Mesmo aqueles comportamentos que, como a paternidade, parecem inscritos no corpo humano são, na realidade, instituições. É impossível sobrepor no homem uma primeira camada de comportamentos que chamaríamos de "naturais" e um mundo cultural ou espiritual fabricado. Tudo é fabricado e tudo é natural no homem, assim como diríamos, nesse sentido, que não há uma só palavra, uma só conduta que não deva algo ao ser simplesmente biológico, e que, ao mesmo tempo, não escape da simplicidade da vida animal (...). Os comportamentos criam significações que transcendem o dispositivo anatômico, mas que, no entanto, são imanentes ao comportamento enquanto tal, uma vez que ele é aprendido e compreendido."
MERLEAU-PONTY, Fenomenologia da percepção, p.220-221.

Dica – Compreenda dois termos do vocabulário filosófico: "ser imanente" – estar ou permanecer dentro, sob; exemplo: a força de um animal; "transcender" – ir além, estar acima de; exemplo: o uso que um animal faz de sua força para superar barreiras.

CONCLUSÃO
O que aprendemos sobre a relação entre natureza e cultura?fevereiro 07 127.jpg
Podemos dizer que a pergunta "como se dá a passagem da natureza à cultura?" é uma formulação corriqueira e apressada de nossa questão. O problema é que, posta dessa maneira, ela nos leva a pensar em dois momentos, ou duas camadas, distintas e separáveis, que, depois, tentaríamos relacionar. Na verdade, esse modo de compreender as coisas é enganoso; não existe um homem natural anterior ao homem cultural; não existe um estado de natureza abstrato, independente do ambiente cultural; todo ser humano é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, natural e cultural. Portanto, a melhor formulação parece mesmo ser: como devemos pensar a relação entre natureza e cultura?
O importante é retermos que tanto "natureza" como "cultura" são conceitos ou ideias a serem pensados, e não estados, ou situações que podem ser vividos separadamente, enquanto tais. Esta separação que fazemos ao falar do problema se chama "abstração", processo mental, só possível de se realizar intelectualmente.
Outro modo de imaginarmos essa dissociação é pelo mito ou pela ficção. É o caso do mito de Prometeu, a que já nos referimos, ou da conhecida história de Tarzan, que podemos dizer que acabou virando um mito contemporâneo. Na realidade, alguns casos raros de indivíduos que viveram isolados durante períodos de suas vidas também nos permitem imaginar e refletir sobre o que significam esses conceitos.
Dica - Alguns filmes exploram essas situações de maneira variada e inteligente: O Enigma de Kasper Hauser, do diretor Werner Herzog, O milagre de Anne Sullivan (sobre Hellen Keller), de Arthur Penn, O garoto selvagem, de François Truffaut, entre outros.
Um risco que corremos ao pensarmos a natureza assim, separada, abstrata, mesmo através de mitos e filmes, é o de a idealizarmos e depois nos esquecermos que se trata de uma idealização. O "bom selvagem" é uma imagem que pode nos ajudar a compreender a natureza, mas não é uma descrição ou uma avaliação razoável do que significa a natureza nas nossas vidas vividas; nossas vidas são mais complexas, misturadas e, nelas, não é fácil separar o que é natural (dado) do que é cultural (adquirido).
Uma consequência desse tipo de atitude, que valoriza uma natureza idealizada, é julgarmos negativamente comportamentos supostamente não naturais, chamando-os de anormais ou monstruosos. Podemos dizer que a história da civilização ocidental é atravessada por esse tipo de atitude: a recusa de diferenças culturais e de comportamentos, que são considerados como se fossem desvios ou doenças, como, por exemplo, os preconceitos raciais e sexuais, a violência dos nazistas em nome de uma suposta raça superior. Essas posições são, na verdade, assumidas em nome de certas compreensões "culturais" da natureza, ou seja, de ideias de natureza criadas e desenvolvidas pelos diferentes grupos sociais, em determinados contextos e épocas. Mais cedo ou mais tarde, essas posições se revelam parciais, francamente erradas e mesmo perigosas.
Ao final desse percurso, vemos que a natureza de um ser, em geral, é sua constituição, que deve ser pensada sempre no conjunto de relações que ele mantém com outros seres. A natureza nos seres humanos deve ser sempre compreendida na relação com a cultura, da qual emerge e com relação à qual se diferencia. Entre afinidades e diferenças, o percurso pelas concepções de alguns filósofos, aliado à reflexão crítica, indica que não só para sobrevivermos, mas para vivermos bem, temos que compreender de modo inteligente a natureza e agir de acordo com o que aprendermos, ou seja, de modo consciente e responsável, na satisfação de nossas demandas e desejos materiais; e, ainda, para convivermos bem nas comunidades humanas, temos que levar em conta que as regras e punições, nesse jogo sério que é a vida compartilhada (natural e cultural), são inteiramente de nossa responsabilidade.

TEXTOS COMPLEMENTARES
"Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera nas mãos do homem. Ele força uma terra a alimentar as produções de outra, uma árvore a carregar os frutos de outra. Mistura e confunde os climas, os elementos, as estações. Mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo. Perturba tudo, desfigura tudo, ama a deformidade e os monstros. Não quer nada da maneira que a natureza o fez, nem mesmo o homem; é preciso que seja domado por ele, como um cavalo adestrador; é preciso apará-lo à sua maneira, como uma árvore em seu jardim.
Sem isso, tudo iria ainda pior, e nossa espécie não quer ser moldada pela metade. No estado em que agora as coisas estão, um homem abandonado a si mesmo desde o nascimento entre os outros seria o mais desfigurado de todos. Os preconceitos, a autoridade, a necessidade, o exemplo, todas as instituições sociais em que estamos submersos abafariam nele a natureza, e nada poriam em seu lugar".
ROUSSEAU. Emílio ou Da Educação, p. 7.

"Se um homem atribui, no todo ou em parte, as desgraças de seu país ou suas próprias desgraças à presença de elementos judeus na comunidade, se propõe remediar tal estado de coisas, privando os judeus de alguns de seus direitos ou afastando-os de certas funções econômicas e sociais ou expulsando-os do território, ou exterminando-os a todos, diz-se que alimenta opiniões anti-semitas.
Esta palavra opinião dá o que pensar... É a mesma que a dona de casa emprega a fim de encerrar uma discussão que ameaça azedar. Sugere que todos os pareceres são equivalentes, tranquiliza e infunde aos pensamentos uma feição inofensiva, assimilando-os aos gostos. Todos os gostos ocorrem na Natureza, todas as opiniões são permitidas; gostos, cores e opiniões não se discutem".
SARTRE. Reflexões sobre o racismo, p.5.

"Em tudo o que se segue, adoto, portanto, o ponto de vista de que a inclinação para a agressão constitui, no homem, uma disposição instintiva original e autossubsistente, e retorno à minha opinião, de que ela é o maior impedimento à civilização. (...) Posso agora acrescentar que a Civilização constitui um processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos humanos isolados, depois famílias e, depois ainda, raças, povos e nações numa única grande unidade, a unidade da Humanidade. Porque isso tem de acontecer, não sabemos; o trabalho de Eros é precisamente este. Essas reuniões de homens devem estar libidinalmente ligadas umas às outras. A necessidade, as vantagens do trabalho em comum, por si sós, não as manterão unidas. Mas o natural instinto agressivo do homem, a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra cada um, se opõe a esse programa da civilização. Esse instinto agressivo é o derivado e o principal representante do instinto de morte, que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do mundo. Agora, penso eu, o significado da evolução da civilização não mais nos é obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte, entre o instinto de vida e o instinto de destruição, tal como ela se elabora na espécie humana. Nessa luta consiste essencialmente toda a vida, e, portanto, a evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da espécie humana pela vida".
FREUD, O mal-estar na civilização, p.175.

Manifesto Antropófago - "Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question". (...)
"A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.
OSWALD DE ANDRADE. Em Piratininga. Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha".
Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.
Consultado em: http://antropofagia.uol.com.br/manifestos/antropofagico

"(...) esses povos que consideramos estarem totalmente dominados pela necessidade de não morrerem de fome, de se manterem num nível mínimo de subsistência, em condições materiais muito duras, dão perfeitamente capazes de pensamento desinteressado; ou seja, são movidos por uma necessidade ou um desejo de compreender o mundo que os envolve, a sua natureza e a sociedade em que vivem. Por outro lado, para atingirem este objetivo, agem por meios intlectuais, exatamente como faz um filósofo ou até, em certa medida, como pode fazer e fará um cientista. Esta é minha hipótese de base".
LEVI-STRAUSS, Mito e significado, p.30-31.

"O cérebro dos monos tem massa 3 a 4 vezes menor que a do cérebro humano (cerca de 400g, contra nossas 1.400g). Seu número estimativo de neurônios está em torno de 20 bilhões, enquanto nós temos 86 bilhões em média – quantidade determinada experimentalmente no meu instituto pelo aluno de mestrado Frederico Azevedo. Apesar das diferenças quantitativas, há muitas semelhanças entre o cérebro do chimpanzé e o cérebro humano: ambos têm uma arquitetura semelhante de giros e sulcos, assimetrias similares entre o hemisfério direito e o esquerdo, e uma proporção de cerca de 40% ocupada pelas regiões do lobo frontal envolvidas com as funções cognitivas mais complexas.
Entretanto, as semelhanças entre os chimpanzés e os seres humanos não escondem as suas diferenças, que são enormes. A linguagem é rudimentar em nossos parentes antropoides; sua capacidade de aprendizagem por observação e imitação não ultrapassa a de uma criança pequena; sua habilidade de intuir o comportamento de terceiros pela observação do olhar e dos gestos é mínima, incomparável com a nossa (embora erremos muito nesse quesito...). Há também controvérsias sobre a capacidade de os monos se reconhecerem ao espelho, como nós fazemos com tanta vaidade.
Acima de tudo, a organização social humana dominou a Terra, não se sabe se para o bem ou para o mal. Mas o fato é que nos tornamos capazes de construir uma sociedade complexa, cooperativa e altamente sofisticada, ao contrário dos grandes símios, organizados em grupos sociais comparativamente rudimentares. Também superamos muito a capacidade tosca dos nossos parentes antropoides de fabricar ferramentas e instrumentos de uso manual. Extrapolamos essa habilidade, e dispomos hoje de tecnologias de altíssima sofisticação, inimagináveis em qualquer outro grupo animal conhecido".
Assim caminhou a humanidade, de Robert Lent. Disponível em: Ciência Hoje.
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/bilhoes-de-neuronios/assim-caminhou-a-humanidade/?searchterm=Assim caminhou a humanidadeConsulta: 04/02/2010.


"Perto do fim? Um artigo publicado na (revista) Science, no dia 4 de dezembro (2009), projeta para 2020 o fim do desmatamento da Amazônia. O estudo, que tem o professor Britaldo Soares Filho, do Instituto de Geo-ciências (da UFMG), como um de seus autores, prevê investimentos entre 7 e 18 bilhões de dólares para que esse horizonte seja alcançado. É uma meta de realização difícil, mas factível, considerando o cenário que se desenha. "Basta lembrarmos que, entre 2004 e 2009, houve redução de 27 mil km2 para 7 mil km2 de desmatamento na região", argumenta o professor Britaldo, que apresentará as conclusões do estudo, em evento paralelo à 15ª. Conferência das Partes (COP 15), sobre as mudanças climáticas, que começa nesta segunda-feira 7, em Copenhague".
Boletim da UFMG, no.1679, ano 36, 7/12/2009.

BIBLIOGRAFIA
ANTIFONTE. Testemunhos, fragmentos, discursos. Trad. Luis Felipe B. Ribeiro. São Paulo: Ed. Loyola, 2008.
Boletim da UFMG, no.1679, ano 36, 7/12/2009.
DARWIN, Charles. A origem das espécies. Trad. E. Amado. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia / São Paulo: Ed. da USP, 1985.
DIÓGENES LAERTIOS. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Trad. Mário da Gama Kuri. Brasília: Ed. UnB, 1977.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. J. Octávio A. Abreu. In: Sigmund Freud. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Coleção Os pensadores.
GOULD, Stephen J. Darwin e os grandes enigmas da vida. Trad. M. Elizabeth Martinez. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
KANT, Immanuel. Rc esposta à pergunta: o que é esclarecimento? In: Textos seletos. Petrópolis: Vozes, 1974.
LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Trad. Antonio M. Bessa. Lisboa: Edições 70, 2000.
MONTAIGNE. Ensaios. Trad. de Rosemary C. Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénomenologie de la perception. Paris: Gallimard, 1945. Tradução brasileira: Fenomenologia da percepção. Trad. R. di Piero. Rio de Janeiro / São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1971.
MORIN, Edgar. O paradigma perdido, a natureza humana. Lisboa: Publicações Europa-América, 1975.
OLIVEIRA, Marcos Barbosa. Da ciência cognitiva à dialética. São Paulo: Discurso editorial, 1999.
Os pré-socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. Supervisão de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Coleção Os Pensadores).
OSWALD DE ANDRADE. Manifesto antropófago. Revista de Antropofagia. 1,1,1928. Disponível em:http://antropofagia.uol.com.br/manifestos/antropofagico. Consulta: 4/2/2010.
PLATÃO. Górgias. TradCarlos Alberto NunesBelém: Ed. UFPA, 2002.
PLATÃO. República. Trad. Ana Lia A. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. L. S. Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. Trad. Roberto L. Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SANTOS, José Luiz. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2007. (Coleção primeiros passos).
SARTRE, Jean-Paul. Reflexões sobre o racismo. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1968.
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Trad. Mário da Gama Kuri. Brasília, Ed. UnB, 1982.

Páginas internet
  • Centro de Referência Virtual do Professor - SEEMG
  • Orientações Pedagógicas
  • Natureza e Cultura I: Problematizando
  • Natureza e Cultura II: O mito de Prometeu
  • Universalismo e Relativismo
  • Roteiros de Atividades
  • Natureza e Cultura I: O caçador de Andróides
  • Natureza e Cultura II: O mito de Prometeu
  • Universalismo e relativismo
Disponível em: http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index.htm. Consulta: 04/02/2010.
Cultura grega antiga - RIBEIRO JR., Wilson A. Portal Graecia Antiqua. São Carlos.
Disponível em www.greciantiga.org . Consulta: 04/02/2010.
GOULD, Stephen – teórico do evolucionismo
Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Stephen_Jay_Gould
http://divulgarciencia.com/categoria/stephen-gould/. Consulta: 04/02/2010.
I Jornada Acadêmica Natureza-Cultura – Faculdade de Educação da Baixada Fluminense / UERJ e Instituto Multidisciplinar / UFRRJ
Disponível em http://jornada-natureza-cultura.blogspot.com/ . Consulta: 04/02/2010.
A ideia de cultura brasileira – Projeto do Departamento de Ciências e Fundamentos da Educação da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense / UERJ
Disponível em: http://ideiadeculturabrasileira.blogspot.com/ . Consulta: 04/02/2010.
Instituto Ciência Hoje – Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/. Consulta: 04/02/2010.


Módulo Didático: Natureza e cultura
Currículo Básico Comum - Filosofia do Ensino Médio
Autor(a): Marcelo P. Marques
Centro de Referência Virtual do Professor - SEE-MG / fereveiro 2010

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